Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Para que serve a(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)?

 
Arlindo Nascimento Rocha[1]
arlindonascimentorocha@gmail.com

A pergunta pela relação entre Ciência da Religião e a Teologia é um tema particularmente disputado e sensível! Isso tem a ver não somente com o fato de que a Ciência da Religião como tantas outras ciências, se emancipou da Teologia, ao longo do desenvolvimento histórico-científico, mas também com o de que ambas, tanto a teologia como a Ciência da Religião, trabalham nas mesmas áreas e dedicam-se a questões semelhantes, parcialmente iguais. (HOCK, 2010, p. 205).  


Resumo
Este artigo tem como finalidade refletir sobre a importância da Ciência da Religião como disciplina acadêmica autônoma, que nas últimas décadas gradualmente tem conseguido o respeito e a confiabilidade que lhe é devido, tendo em conta, o crescimento das demandas nas Universidades brasileiras, e, pela crescente produção literária, demarcando assim, sua especificidade no estudo científico das religiões em relação às outras disciplinas clássicas, no que tange aos objetivos, ao método e a metodologia de pesquisa e ação.        
  
Para que serve a(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)?

A realidade social, objeto das Ciências Sociais é complexa, dinâmica, dialética ao mesmo tempo una e diversa, divisível e indivisível. Cada vez mais, a sociedade moderna, tem que, partindo do senso comum, ou seja, das noções comumente admitidas pelos indivíduos sem nenhuma análise e questionamento, para aprofundar o conhecimento científico, rigoroso, profundo e de conjunto para dar respostas às demandas sociais cada vez mais exigentes, tendo em conta que, e realidade como tal, tornou-se múltipla e desafiadora.

De acordo com Klauss Hock, “assim como outras disciplinas acadêmicas, a Ciência da Religião[2], precisa prestar conta sobre aquilo que ela rende para a discussão acadêmica e sua relevância social.” (HOCK, 2010, p. 227). A meu ver, a relevância social e acadêmica das pesquisas em Ciência da Religião são fundamentais para o crescimento interno da mesma. Acredita-se que, isso não constitui mais um problema, tendo em conta o que é afirmado por Luís Henrique Dreher, em seu artigo Ciência(s) da Religião: Teoria e Pós-Graduação no Brasil, “como nova área acadêmica, ela (Ciência da Religião) vai de vento em popa, e sua afirmação definitiva na universidade brasileira é, ou deveria ser, uma questão de tempo”. (DREHER, 2008, p.158).  

Entretanto, existem ainda muitos obstáculos a serem superadas, “no caso do Brasil, os estudos científicos da religião se inserem em uma história peculiar da ciência e do ensino superior em geral o que resulta de alguns obstáculos epistemológicos e políticos para a legitimação desses estudos nas instituições de ensino e pesquisa”. (PASSOS; USARSKI, 2013, p. 22). Esses obstáculos contribuíram e tem contribuído para a marginalização da Ciência da Religião, tendo em conta que, “ela nasceu e desenvolveu num quadro ambíguo, buscando abrigo em Universidades confessionais, onde não pôde deixar de imiscuir da Teologia”. (Ibidem, p. 23). Assim, em termos institucionais, “a Ciência da Religião foi totalmente marginalizada nas faculdades de Teologia e atribuída à outras áreas.” (HOCK, 2010, p. 207).

A realidade atual, não desmente o que foi dito por Klauss Hock, uma vez que, apesar da institucionalização da disciplina, dos diversos cursos de Graduação e Pós-Graduação oferecidas por várias Universidades em todo país, ainda algumas instituições educativas, onde se leciona o Ensino Religioso, continuam ignorando a Ciência da Religião como disciplina autônoma e os Cientistas das Religiões como profissionais capacitados para trabalhar com o Ensino Religioso, e, desta forma contratando professores habilitados em outras áreas para lecionar o Ensino Religioso.

Não é que não tenham competência para desempenhar tais funções, mas, o que revolta é ver que, infelizmente o lugar do Cientista da Religião, como docente especializado para exercer a função está sendo colocado em segundo plano, e as vagas ocupadas por profissionais de outras áreas. Mas, o contrário não se verifica! Geralmente os recém-formados em Ciência da Religião (graduação e mestrado) estão “condenados” a fazer parte da grossa fatia dos desempregados ou é um imperativo que continuem estudando na esperança que com o grau de doutor (a) possam ingressar nas Universidades ou então em pesquisas.     

O que se verifica, é que ainda existe um certo desconhecimento relativamente a importância de ter um profissional formado na área. E, quanto mais se fala sobre o curso em si, muita gente ainda questiona sua utilidade ou sua ligação/dependência ou não com a Teologia. Para os que ainda pensam que a Ciência da Religião é uma espécie de cripto-teologia, é preciso mostrá-los que ela é uma ciência acadêmica autônoma desde 1910, época em que foi criada “a primeira cátedra da Ciência da Religião fundada na Universidade de Berlim”.[3] (USARSKI, 2006, p. 269). Assim, e de acordo com a expressão metafórica de Udo Tworuschka, a Ciência da Religião é “a filha emancipada da Teologia”. (TWORUSCHKA Udo, p. 191, apud, USARSKI, 2006, p. 16). Olhando para a Teologia e a Ciência da Religião, Peter Antes afirma que:
Diferente da Teologia, cujos pressupostos são geralmente comprometidos com o Cristianismo tanto como referência religiosa particular quanto como privilegiada matéria de análise, a Ciência da Religião é virtualmente irrestrita quanto aos fenômenos considerados por ela dignas de investigação. (ANTES, Peter, p. 154, apud USARSKI, 2006, p. 17).    

Outro aspecto muito importante para a Ciência da Religião é o seu distanciamento das propostas e dos princípios da fenomenologia da religião. Isso é demonstrado por Frank Usarski em seu artigo Perfil paradigmático da Ciência da Religião na Alemanha, publicado na obra A(s) Ciência (s) da Religião no Brasil (2008), organizada por Faustino Teixeira. Nesse artigo Usarski afirma que:
Faz cerca de 40 anos que na Alemanha a Ciência da Religião começou a se distanciar de propostas e princípios da Fenomenologia da Religião até então predominante. O que ocorreu foi uma reorientação pelas normas das ciências sociais, salientando o caráter empírico da própria disciplina. (USARSKI, 2008, p. 87,88).  

Relembrando que, a Fenomenologia da Religião, como “disciplina clássica” tem como objetivo “ordenar sistematicamente vos distintos fenômenos religiosos, definir seus conteúdos e compreender, dessa maneira, a “essência da religião”. (HOCK, 2010, p. 14). Porém, “no século XX, a Fenomenologia da Religião em sua forma tradicional se tornou alvo de fortes críticas”. (Ibidem), uma vez que, “a Fenomenologia não estuda os fatos religiosos em si mesmos, mas sua intencionalidade ou essência”. (CROATTO, 2010, p. 25).      

Como ciência autônoma, que privilegia os fatos religiosos concretos, a Ciência da Religião possui objetivos, métodos e metodologias próprias, ou seja, libertou-se das amarras da Fenomenologia e da Teologia que agora aparecem ao lado de outras ciências clássicas, tais como a História, a Sociologia, a Psicologia, entre outras como ciências auxiliares da Ciência da Religião. Para melhor clarificar essa diferença, torna-se necessário elencar principalmente algumas diferenças fundamentais entre teologia e Ciência da Religião, uma vez que, ainda no senso comum confundem-se essas duas áreas. Embora a nível acadêmico possamos afirmar que, essa distinção esteja clara, ainda persistem resquícios de desconfiança sobre os limites epistemológicos de cada uma dessas disciplinas. Assim, podemos afirmar que:

A Ciência da Religião é um campo da pesquisa acadêmica que se refere ao estudo das disciplinas correlativas e  que contribuem para a compreensão do fenômeno religioso nas culturas; ela é multidisciplinar, o que lhe obriga a ter um diálogo constante com os outros saberes, para que se possa entender melhor o seu objeto de estudo; usa o método comparativo e sistemático na realização de suas pesquisas, valorizando sempre pesquisas empíricas e aplicadas em contextos diversos; estuda o fenômeno religioso em relação à Teologia de cada cultura, dentro da percepção religiosa de cada religião; considera o elemento teológico religioso da pesquisa de determinados grupos religiosos, podendo se referir à antropologia da religião, à psicologia da religião, entre outras; enquanto que a Teologia, como ciência, pesquisa, define, averigua e entende todos os fatos hermenêuticos, colocações teológicas, palestras, ensinos e demais considerações em relação à interpretação das Escrituras, seja em que cultura religiosa for.

De acordo com José Severino Croatto, em sua obra As Linguagens da Experiência religiosa (capitulo I) A fenomenologia da religião entre as ciências da religião:
Como ciência, a Teologia parte do dado da fé; por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que Ele estabelece com o ser humano. Ainda que seja comum falar de teologia somente em relação ao judeu-cristianismo (cuja fonte é a Bíblia), pode-se estender o conceito à qualquer religião, à medida que existe um trabalho especulativo gerado na experiência da fé. [...] A Teologia, enquanto ciência utiliza os dados da fé (da revelação), mas se fundamente (como a filosofia) na razão. (CROATTO, 2010, p. 22, 23).    

Apesar dessa distinção entre a Teologia e a Ciência da Religião, é preciso mostrar ainda que, a Ciência da Religião também não se confunde e nem pode ser confundida com as outras ciências clássicas por motivos óbvios, aliás, elas servem se suporte para fundamentar as pesquisas em Ciência da Religião, tendo em conta que, estão numa fase mais avançada de consolidação de seus métodos ao contrário da Ciência da Religião que está ainda numa fase de afirmação, pelo menos no Brasil. Por isso, apresentaremos resumidamente um esboço das mesmas, a partir das ideias de Croatto (2010), uma vez que, ambas contribuem para que o trabalho do cientista da religião seja mais eficaz.

Começando pela História das religiões, “ela é básica, pois, para interpretar um fato religioso é preciso conhecê-lo. Ela é analítica, descritiva e comparativa; seu objeto de estudo é o conjunto dos fatos religiosos em si mesmo ou comparados enquanto manifestações da cultura humana [...]; a Sociologia que se tornou célebre com o francês Émile Durkheim em sua obra As formas elementares da vida religiosa onde estabelece que a religião é uma forma fundamental de coesão social. Segundo ele, os fenômenos religiosos falam da realidade social, ou seja, o fenômeno religioso é essencialmente comunitário e, portanto, repercute na sociedade [...]; a Psicologia da religião parte do pressuposto que o sentimento religioso é uma elaboração do Eros básico do ser humano. Existem duas vertentes da psicologia da religião: uma marcada por Sigmund Freud,[4] e, a outra por Carl Gustav Jung[5] que se afastou da linha freudiana[...]; a Filosofia da religião preocupa-se com o Absoluto, não como “encontro” com ele, nem enquanto Deus, mas como Ser e o fundamento de toda a realidade.  O ponto de partida, ou via de acesso, é sempre racional. Deus (teodiceia), o mundo (cosmovisão), o ser humano (antropologia filosófica/ética). (CROATTO, 2010, p. 17 a 21).

Ao lado dessas disciplinas clássicas da Ciência da Religião, segundo Klauss Hock, devem ser mencionadas ainda outras vertentes (disciplinas) da pesquisa que nas últimas décadas contribuem para o desenvolvimento da Ciência da Religião.
A Geografia da Religião trata dos impactos mútuos entre a religião e o ambiente, analisando o impacto da religião sobre o ambiente, assim como o impacto do meio ambiente sobre a religião; a Economia da Religião, uma subdisciplina, está interessada nas questões da relação entre religião e economia, enfocando as condições econômicas assim como as consequências econômicas da atuação religiosa; a Estética da Religião pergunta por aquilo que nas religiões pode ser percebido pelos sentidos e procura analisar a relação complexa entre a religião e os processos de percepção. [...] (HOCK, 2010, p. 15).    
   
De acordo com Luíz Alberto Sousa Alves, em sua obra Cultura religiosa: caminhos para a construção do conhecimento.
A Ciência da Religião ajuda-nos a perceber a importância das tradições religiosas da humanidade e de todo o processo de racionalização e institucionalização que essas tradições sofrem ao longo do tempo. Com ela, a religião deixou de ser analisada de forma amadorística, a partir do momento em que os intelectuais começaram a estudá-la de maneira acadêmica, tentando, aos poucos, afastar-se das amarras da fé. (ALVES, 2009, p. 17).  

Ainda segundo ele, a “Ciência da Religião é uma disciplina que analisa sistematicamente as religiões em todas as suas manifestações. O Cientista da Religião tem a lucidez de perceber que a teologia é um dos elementos inerentes ao universo das religiões. Por isso, ele não reduz a religião à Teologia, evitando assim, emitir juízos sobre a veracidade e a qualidade das religiões”. (ALVES, 2009, p. 18). Desta feita, é importante também realçar que, o trabalho do teólogo (especialista religioso) é diferente do cientista da religião (especialista em religião). Com base na distinção feita por Hans-Jürgen Greschat, em seu livro O que é Ciencia da Religião? (capítulo 5, p. 155 a 157), sintetizamos as seguintes diferenças:   

Os teólogos investigam a religião a qual pertencem visando proteger e enriquecer sua tradição religiosa; quando estudam uma religião alheia partem da própria fé, e, só o fazem a partir de uma comparação com a própria; eles tem meios próprios para distinguir o que é “verdadeiro” e o que é “falso” da área da religião; a fé é a norma decisiva, pois, ela é única considerada verdadeira em oposição a outras consideradas falsas. Já os contistas da religião geralmente investigam outras religiões que não a sua; não prestam serviço institucional como os teólogos; são autônomos quanto ao seu trabalho; não avaliam a fé de outrem com base na própria; possuem liberdade de pesquisar a crença alheia sem preconceitos; o fim último não é estabelecer se uma determinada religião é verdadeira ou falsa.        
       
Nesse contexto o objetivo do cientista da religião é:
Fazer uma distinção mais detalhada e ampla possível de fatos concretos presentes no universo religioso, ensejando possibilitar um entendimento histórico da gênesis e do desenvolvimento das religiões, escapando das armadilhas do reducionismo histórico, que podem aprisioná-lo a fatos e acontecimentos, tirando-lhe a percepção das inter-relações com as diversas áreas da vida. (ALVES, 2009, p. 18). 
  
Dessa forma, a pergunta para a utilidade da Ciência da Religião, pode ser dada de várias formas. Assim, ela é útil para: a) transmissão de conhecimentos; b) mediação e moderação de conflitos religiosos; c) esclarecer percepções errôneas e mal-entendidos; d) reflexão sobre sua própria situação. Primeiramente ela é útil porque de modo pragmático ajuda na transmissão de conhecimentos sobre outras religiões e culturas, estranhas ou geograficamente distantes da realidade cotidiana; usando de seus pareceres específicos cumpre a função de mediadora de possíveis conflitos, uma vez que sua competência e sua posição permite-lhe estabelecer o diálogo entre as religiões; aplicado ao diálogo inter-religioso e as relações internacionais, pode e deve ajeitar as interpretações errôneas e mal entendidos em relação à outras tradições religiosas como são extremados em muitos meios de comunicação e nos materiais didáticos usados nas escolas; e, por último, a Ciência da Religião, necessariamente deve fazer uma auto reflexão crítica sobre a vinculação dos resultados de estudos científicos-religiosos com a nossa cultura e religião na qual nos vivemos e professamos.

No que tange a aplicabilidade prática da Ciência da Religião, são várias as áreas onde, ela é aplicável, por exemplo, às relações internacionais; ao ensino religioso; à educação sociopolítica; ao património cultural; à teologia; à ação pastoral; à psicoterapia.[6] No Compendio de Ciência da Religião (2013) Afonso Maria Ligorio Soares faz a introdução à parte V que apresenta a aplicação da Ciência da Religião.

Udo Tworuschka faz considerações teóricas e metodológicas a respeito da Ciência prática da Religião. Enzo Pace estuda a Ciência da Religião aplicada às relações internacionais. Sérgio Rogério Azevedo Junqueira apresenta a Ciência da Religião como a área que constituirá os fundamentos para o ensino religioso. Edin Sued Abumanssur faz um estudo da Ciência da Religião aplicada ao turismo. Mauro Passos estuda a Ciência da Religião aplicada à educação sócio-política e Paulo Mendes Pinto apresenta a Ciência da Religião aplicada ao patrimônio cultural. Afonso Maria Ligorio Soares estuda a Ciência da Religião aplicada à Teologia. Agenor Brighenti analisa a Ciência da Religião aplicada à pastoral. Práxis e reflexão constituem a ação. Ênio Brito Pinto busca esclarecer porque psicoterapeutas estudariam Ciência da Religião. (SOUZA, 2014, p, 638).

Como se pode ver a Ciência da Religião, não é uma disciplina que se opera isoladamente. Desta forma, o caráter inter-e-transdisciplinar da mesma confere confiabilidade dos resultados de sua pesquisa e garante sua autonomia metodológica. Porém, “a Ciência da Religião que, como as outras ciências, tem seus limites principalmente porque o saber humano não está pronto e acabado, ou seja, o ser humano está em permanente construção. Portanto, torna-se difícil trabalharmos com a ideia de verdade absoluta. Porém, o resultado do estudo do fenômeno religioso de uma religião é comparado com a de outra, o que permite uma comparação das semelhanças e das diferenças presentes nos ritos, doutrinas e estrutura das tradições religiosas. A identificação de traços comuns permite percebermos as tradições religiosas como um fenômeno antropológico universal”. (ALVES, 2009. p. 18). 

Assim concluímos que, a relação interdisciplinar entre a Ciência da Religião com outras áreas do conhecimento (ciências humanas), amplia o leque de oportunidades acadêmicas, para os profissionais que trabalham com a educação, para líderes religiosos e outros grupos profissionais, possibilitando um diálogo e convivência. Possibilita ainda, uma releitura da realidade, fazendo-nos parar, sermos agentes de mudanças, que proporcione a avaliação de opções tanto para a vida acadêmica, profissional quanto nas relações interpessoais.

Considerações finais

Respondendo sucintamente a pergunta Para que serve a Ciência da Religião, diria que como disciplina acadêmica e autônoma, ela é de uma relevância fundamental, pois, com ela inaugurou uma etapa paradigmática no que tange a investigação, interpretação e compreensão dos fatos religiosos presentes em cada religião específica. Com ela o Ensino Religioso, consegui romper com o aspeto confessional que durante muito tempo esteve presentes nas escolas, e, desta forma contribuir para minimizar a intolerância religiosa e promover o diálogo inter-religioso. Sua perspectiva inter-e-transdisciplinar, seu método de pesquisa lhe garante, autonomia, confiabilidade e cientificidade face às demais disciplinas. 


PARA FAZER DOWNLOAD DO TEXTO EM PDF, CLIQUE AQUI: 


Referências

ALVES, Luíz Alberto Sousa. Cultura religiosa: caminhos para a construção do conhecimento. Editora Ibpex, 2009, p. 17 e 18.  
CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução a fenomenologia da religião. – 3ª edição. São Paulo: Paulinas, 2010.
CRUZ, Eduardo. Introdução à parte I. In: Compêndio de Ciência da Religião. João Décio Passos; Frank Usarski (orgs.). - São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.
GRESCHAT, Hans-Jurgen. O que é Ciência da Religião. Tradução de Frank Usarski. - São Paulo: Paulinas, 2005. – (Coleção representando a religião). 
HOCK, Klauss. Introdução à Ciência da Religião. Tradução de Monika Otterman. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2010.  
PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank. Introdução geral. In: Compêndio de Ciência da Religião. João Décio Passos; Frank Usarski (orgs.). - São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.
SOUZA, Jaqueline Crepaldi. Resenha do Compêndio de Ciência da Religião. Horizonte, Belo Horizonte, v. 12, n. 34, p. 638-645, abr./jun. 2014 – ISSN 2175-5841.
USARSKI, Frank. Constituintes da Ciência da Religião: cinco ensaios em prol de uma disciplina autônoma. – São Paulo: Paulinas, 2006 – (Coleção apresentando a religião).
USARSKI, Frank. Introdução. In: O espectro disciplinar da Ciência da Religião. Frank Usarski (org.). – São Paulo: Paulinas, 2007. – (Coleção pensando a religião)
USARSKI, Frank. Perfil paradigmático da Ciência da Religião na Alemanha.  In: A(s) Ciência (s) da Religião no Brasil. Faustino Teixeira (org.). – 2ª edição. - São Paulo: Paulinas 2008. – (Coleção religião e cultura).





[1] Mestre em Ciência da Religião – (PUC-SP) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pós-Graduado em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional – (UCP) Universidade Católica de Petrópolis; foi aluno extraordinário do curso de Pós-Graduação em Filosofia da (PUC-Rio) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Licenciado em Filosofia – (UNI-CV) - Universidade Pública de Cabo Verde; Formado em Pedagogia (Curso Inicial de Formação de Professores do EBI) - Instituto Pedagógico do Mindelo.
[2] De acordo com Frank Usarski, “encontra-se uma variedade de nomenclatura da disciplina. Dependendo da opção pelo singular ou pelo plural das constituintes da denominação, usa-se em diferentes contextos um dos quatro rótulos possíveis: ciências da Religião, ciência da religião, ciência das religiões e ciências das religiões”. (USARSKI, 2007, p. 9). Apesar de todas as discussões, relativamente a esse assunto, nesse artigo optei por usar a segunda opção, comumente aceite, uma vez que, de nada adianta usar o plural, se seu estatuto epistemológico está claramente formulado. De acordo com Eduardo Cruz, “todas as disciplinas científicas, mesmo as mais bem estabelecidas, sofrem de tensões entre o singular e o plural, e a Ciência da religião não se constituiria em uma exceção”. (CRUZ, Eduardo, 2013, p. 44). 
[3] Ainda na época que antecede a institucionalização da disciplina teólogos, filósofos e filólogos europeus como, por exemplo, o suíço Johann Georg Müller, desde 1837 davam cursos na área de história das religiões. Paralelamente, aqui e ali, o termo Ci6encia da Religião já havia sido aplicado. Pelo que se sabe os dois primeiros a usarem essa designação foram Abbé Prosper Lablanc e F. Stiefelhagem, porém, não no sentido estrito como no caso do orientalista alemão Max Müller [...] (USARSKI, 2006, p. 23).
[4] Para Freud, a religião surgiu de uma necessidade de defesa contra as forças da natureza, como todas as outras realizações da civilização. No indivíduo, ela surge do desamparo. Esse desamparo é inicialmente o desamparo da criança, e posteriormente, o desamparo do adulto que a continua. (TAID, Glauber). Freud e a religião: a neurose obsessiva universal da humanidade [Blog Perfeição]. Disponível no link: <http://glauberataide.blogspot.com.br/2007/10/freud-e-religio-neurose-obsessiva.html>. Consultado em 24/01/2017.  
[5] A temática da religião é realmente central dentro da Psicologia Analítica de Jung, encontrando-se presente ao longo de suas Obras Completas. Apenas para citar algumas obras do autor que abordam diretamente a relação entre psicologia e religião há: Resposta à Jó, Psicologia da Religião Oriental e Ocidental, Símbolo da transformação na missa, sem contar as outras obras como Aion, estudos sobre o simbolismo do Si-Mesmo, e o prefácio de I Ching, de Richard Wilhelm. De acordo com Croatto, “sua perspectiva de estudo do fenômeno religioso é positivo. Um de seus pressupostos é o do ‘inconsciente coletivo’, mais arcaico do inconsciente individual, é uma espécie de memória ancestral, de sedimentação das vivências da primeira humanidade que se formaliza em profundas marcas psíquicas: os arquétipos. Os arquétipos do inconsciente seriam a fonte, tanto dos sonhos como dos mitos da religião”. (CROATTO, 2010, p. 20),
[6] No compêndio de Ciência da Religião, organizado pelos professores João Décio Passos e Frank Usarski, parte V, cujo título é Ciência da Religião Aplicada (pgs. 577 a 691), encontra-se vários artigos, relativamente a aplicação da Ciência da Religião, elaborado pelos seguintes autores: Udo Tworuschka, Enzo Pace, Sérgio Rogério Junqueira, Edin Abumanssur, Paulo Pinto, Afonso Soares, Agenor Brighenti e Ênio Pinto.    

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

AS ORIGENS DO ESTUDO CIENTÍFICO DAS RELIGIÕES


Religion and Science
First published Tue Jan 17, 2017



A ciência e a religião estão intimamente interligadas no estudo científico da religião, que pode ser encontrado no século XVII. Os historiadores forneciam explicações naturalistas para o comportamento e a cultura humana, para domínios como religião, emoções e moralidade. Por exemplo, De l'Origine des Fables (1724), Bernard de Fontenelle ofereceu um relato causal da crença no sobrenatural. As pessoas muitas vezes afirmam explicações sobrenaturais quando não têm uma compreensão das causas naturais subjacentes a eventos extraordinários: "Na medida em que alguém é mais ignorante, ou tem menos experiência, vê-se mais milagres". Essa ideia prefigura a crença de Auguste Comte (1841) de que "os mitos gradualmente dariam lugar a relatos científicos"

A História Natural da Religião de Hume, é o exemplo filosófico mais conhecido de uma explicação histórica natural da crença religiosa. Hume pensava ser a primeira forma de crença religiosa - à ignorância sobre causas naturais combinada com medo e apreensão sobre o meio ambiente. Ao deificar aspectos do ambiente, os primeiros humanos tentaram persuadir ou subornar os deuses, ganhando dessa forma um senso de controle.

No século XIX e início do século XX, autores de novas disciplinas científicas emergentes, como antropologia, sociologia e psicologia, examinaram as supostas raízes naturalistas da crença religiosa. Eles tentaram explicar o que unifica as diversas crenças religiosas entre as culturas, ao invés de explicar as variações culturais. Na antropologia, a ideia de que todas as culturas evoluem e progridem na mesma linha (evolucionismo cultural) foi generalizada. 

Culturas com pontos de vista religiosos diferentes foram explicadas como estando num estágio inicial de desenvolvimento. Por exemplo, Tylor (1871) “considerou o animismo, a crença de que os espíritos animam o mundo, como a forma mais antiga de crença religiosa”. Comte (1841) propôs que “todas as sociedades, em suas tentativas de fazer sentido do mundo, passassem pelos mesmos estágios de desenvolvimento: o estágio teológico é a primeira fase, onde predominam as explicações religiosas, seguidas pela fase metafísica, e culminando no estágio positivo ou científico, marcado por explicações científicas e observações empíricas”.

O sociólogo Émile Durkheim (1915) considerava as “crenças religiosas como cola social que ajudavam a manter a sociedade unida”. O psicólogo Sigmund Freud (1927) viu a crença religiosa “como uma ilusão, um anseio infantil por uma figura paterna”. A história completa que Freud oferece é bastante bizarra: nos tempos passados, um pai que monopolizava todas as mulheres da tribo foi morto e comido por seus filhos. Os filhos se sentiram culpados e começaram a idolatrar seu pai assassinado. Isto, juntamente com tabus sobre canibalismo e incesto, gerou a primeira religião. Freud também considerou "sentimento oceânico" (um sentimento de ilimitabilidade e de estar conectado com o mundo) como uma das origens da crença religiosa. Ele achava que esse sentimento era um remanescente da experiência de um bebê de si mesmo, antes de ser desmamado do peito. 

Autores como Durkheim e Freud, juntamente com teóricos sociais como Karl Marx e Max Weber, propuseram versões da tese da secularização, a visão de que a religião declinaria em face da tecnologia, ciência e cultura modernas. O filósofo e psicólogo William James (1902) "estava interessado nas raízes psicológicas e na fenomenologia das experiências religiosas, que ele acreditava ser a fonte última das religiões institucionais".

A partir da década de 1920, o estudo científico da religião tornou-se menos preocupado com grandes narrativas unificadoras, e se concentrou mais em certas tradições e crenças religiosas. Antropólogos, como Edward Evans-Pritchard (1937/1965) e Bronislaw Malinowski (1925/1992) já não se baseavam exclusivamente em relatos de segunda mão (geralmente de baixa qualidade e de fontes distorcidas), mas empenhados em trabalhos de campo sérios. Suas etnografias indicavam que o evolucionismo cultural estava equivocado e que as crenças religiosas eram mais diversas do que se supunha anteriormente. 

Argumentavam que as crenças religiosas não eram o resultado da ignorância dos mecanismos naturalistas; Por exemplo, Evans-Pritchard "observou que os Azande estavam bem cientes de que as casas podiam desmoronar porque os cupins comiam em suas fundações, mas eles ainda apelavam para a feitiçaria para explicar por que uma casa particular tinha desmoronado". Mais recentemente, Cristine Legare et al. (2012) descobriram que as pessoas em várias culturas combinam explicações sobrenaturais e naturais, por exemplo, "os sul-africanos estão cientes de que a AIDS é causada por um vírus, mas alguns também acreditam que a infecção viral é causada em última instância por uma bruxa".

Psicólogos e sociólogos da religião também começaram a duvidar de que as crenças religiosas estavam enraizadas na irracionalidade, psicopatologia e outros estados psicológicos atípicos, como James (1902) e outros psicólogos adiantados haviam assumido. Nos Estados Unidos, no final da década de 1930 até a década de 60, os psicólogos desenvolveram um interesse renovado pela religião, alimentado pela observação de que a religião se recusava a declinar - lançando assim dúvidas sobre a tese da secularização.

Psicólogos da religião fizeram distinções cada vez mais finas entre os tipos de religiosidade, incluindo religiosidade extrínseca (ser religioso como meio para um fim, por exemplo, obter os benefícios de estar em um grupo social) e religiosidade intrínseca (pessoas que aderem às religiões por A causa de seus ensinamentos) (Allport e Ross, 1967). Atualmente, os psicólogos e sociólogos estudam a religiosidade como uma variável independente, com impacto, por exemplo, na saúde, na criminalidade, na sexualidade e nas redes sociais.

Um desenvolvimento recente no estudo científico da religião é a ciência cognitiva da religião. Este é um campo multidisciplinar, com autores de, entre outros, psicologia do desenvolvimento, antropologia, filosofia e psicologia cognitiva. Difere das outras abordagens científicas da religião por sua pressuposição de que a religião não é um fenômeno puramente cultural, mas o resultado de processos cognitivos comuns, desenvolvidos precocemente e universais (eg Barrett 2004, Boyer, 2002). 

Alguns autores consideram a religião como o subproduto de processos cognitivos que não têm uma função evoluída específica para a religião. Por exemplo, de acordo com Paul Bloom (2007), “a religião emerge como um subproduto de nossa distinção intuitiva entre mentes e corpos: podemos pensar nas mentes como continuando, mesmo depois que o corpo morre (por exemplo, atribuindo desejos a um membro da família morto), que faz a crença em uma vida após a morte e em espíritos desencarnados naturais e espontâneos”. 

Outra família de hipóteses considera a religião como uma resposta biológica ou cultural adaptável que ajuda os seres humanos a resolver problemas cooperativos (por exemplo, Bering 2011). Através de sua crença em deuses grandes e poderosos que podem punir, os seres humanos se comportam mais cooperativamente, o que permitiu que o tamanho dos grupos humanos se expandisse para além das pequenas comunidades de caçadores-coletores. 


Referências 

ALLPORT, Gordon W. and J. Michael Ross, 1967, “Personal Religious Orientation and Prejudice”, Journal of Personality and Social Psychology, 5: 432–443.

BARRETT, Justin L., 2004, Why Would Anyone Believe in God?, Lanham, MD: Altamira Press.

BERING, Jesse M., 2011, The God Instinct. The Psychology of Souls, Destiny and the Meaning of Life, London: Nicholas Brealy.

BLOOM, Paul, 2007, “Religion is Natural”, Developmental Science, 10: 147–151.

BOYER, Pascal, 2002, Religion Explained: The Evolutionary Origins of Religious Thought, London: Vintage.

COMTE, Auguste, 1841, Cours de Philosophie Positive: La Partie Historique de la Philosophie Sociale en Tout ce Qui Concerne l’État Théologique et l’État Métaphysique (vol. 5), Paris: Bachelier.

DURKHEIM, Émile, 1915, The Elementary Forms of the Religious Life: A Study in Religious Sociology (translated by J.W. Swain), London: Allen & Unwin.

LEGARE, Cristine H., E. Margaret Evans, Karl S. Rosengren, and Paul L. Harris, 2012, “The Coexistence of Natural and Supernatural Explanations across Cultures and Development”, Child Development, 83: 779–793.

TYLOR, Edward Burnett, 1871, Primitive Culture: Researches into the Development of Mythology, Philosophy, Religion, Language, Art, and Custom, London: John Murray.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (21 de Janeiro)


Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa. Hum...! 


A verdade é que a religião nunca foi motivo ou promotora da paz e do congraçamento entre os povos e as pessoas. Nas regiões conflagradas atualmente – Caxemira, Oriente Médio, Irlanda, África – as fronteiras dos conflitos coincidem, quase sempre, com as fronteiras religiosas. Às vezes são diferenças no interior das religiões mesmas que marcam tais fronteiras.


Religião tem sido motivo para massacres, atentados, guerras e terrorismo. Religião acaba com amizades, convívio entre vizinhos, casamentos. O odium theologicum é o pior de todos os ódios possíveis por que se sustenta em “uma causa maior” e transcende à mesquinharia que alimenta a maioria dos ódios.

No Brasil, o candomblé é a maior vítima de intolerância, mas não exclusivamente. Os episódios de intolerância recentes foram quase todos contra adeptos de cultos de matriz africana, mas há também, circulando na internet, uma cena de uma mulher quebrando uma imagem de santo. Os evangélicos, também eles, são vítimas de intolerância por parte da elite branca bem-nascida.


Eu não tenho dúvida de que onde houver ações de tolerância religiosa, a causa não estará na religião, mas em interesses extra religiosos. Isso não significa que não devamos buscar sempre o esclarecimento, e a fraternidade entre pessoas que crêem de forma diferente de nós. O racismo, o preconceito e a intolerância, quase sempre, estão enraizados na ignorância.



Texto publicado no Facebook, pelo professor - Edin Sued Abumanssur - 
 PUC-SP - no dia 21/01/2017.  

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Dimensôes da condição humana no judaísmo: lutando contra Deus num mundo imperfeito



SUMÁRIO

 Introdução 
1. A condição humana compreendida como obrigação sob a torá;
2. Tendências humanas ao mal;
3. Responsabilidade divina e humana para o mal;
4. Cooperação divino-humana;
5. Responsabilidade divina pelo bem e pelo mal;
6. Inclinação e efeitos para o mal;
7.O período moderno 

 Conclusão

As “Dimensões religiosas da condição humana” no judaísmo devem ser buscadas na literatura tradicional, que se inicia com as narrativas bíblicas, leis, profecias e escritos de sabedorias editadas nos séculos V e VI a. C.[...]



PARA ACESSAR A APRESENTAÇÃO, CLIQUE AQUI: 
http://pt.slideshare.net/kularocha/dimenses-da-condio-humana-no-judasmo-lutando-contra-deus-num-mundo-imperfeito

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A Ciência da Religião




A Ciência da Religião ajuda-nos a perceber a importância das tradições religiosas da humanidade e de todo o processo de racionalização e institucionalização que essas tradições sofrem ao longo do tempo. Com ela, a religião deixou de ser analisada de forma amadorística, a partir do momento em que os intelectuais começaram a estudá-la de maneira acadêmica, tentando, aos poucos, afastar-se das amarras  da fé. 

Esse estudo inicial foi responsável pela origem da Ciência da Religião que, como as outras ciencias, tem seus limites principalmente porque o saber humano não está pronto e acabado, o ser humano está em permanente construção. Portanto, torna-se difícil trabalharmos com a ideia de verdade absoluta. 

A Ciência da Religião é uma disciplina que analisa sistematicamente as religiões em todas as suas manifestações. O cientista da religião tem a lucidez de perceber que a teologia é um dos elementos inerentes ao universo das religiões. Por isso, ele não reduz a religião à teologia, evitando assim, emitir juízos sobre a veracidade e a qualidade das religiões. 

O objetivo do cientista da religião é fazer uma distinção mais detalhada e ampla possível de fatos concretos presentes no universo religioso, ensejando possibilitar um entendimento histórico da gênesis e do desenvolvimento das religiões, escapando das armadilhas do reducionismo histórico , que podem aprisioná-lo a fatos e acontecimentos, tirando-lhe a percepção das inter-relações com as diversas áreas da vida. 

O resultado do estudo do fenômeno religioso de uma religião é comparada com a de outra, o que permite uma comparação das semelhanças e das diferenças presentes nos ritos, doutrinas e estrutura das tradições religiosas. A identificação de traços comuns permitem  percebermos as tradições religiosas como um fenômeno antropológico universal. 

A estrutura da Ciência da religião é multidisciplinar , o que lhe obriga a ter um diálogo constante com os outros saberes, para que se possa entender melhor o seu objeto de estudo. 

Referência 

ALVES, Luíz Alberto Sousa. Cultura religiosa: caminhos para a construção do conhecimento. Editora Ibpex, 2009, p. 17 e 18.  

     

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

POR BAIXO DA PELE SOMOS TODOS AFRICANOS




Arlindo nascimento Rocha[1]

Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a nossa origem comum. Apesar das nossas diferenças genéticas, culturais e políticas é inequívoco que ao mergulharmos na historia da humanidade, logo chegaremos a uma mesma conclusão: todos os seres humanos têm a mesma origem, e por isso, somos todos iguais apesar das nossas diferenças. A origem comum da espécie humana foi encontrada há milhões de anos na África. Essa teoria é sustentada por diversos estudos antropológicos, e, através de pesquisas arqueológicas que descobriram restos dos nossos antepassados mais longínquos no continente africano, mais propriamente, na Tanzânia, no Quênia e na Etiópia.  


Por baixo da pele somos todos africanos

Quando se fala da África, é muito comum ainda hoje, encontrar pessoas que pensam tratar-se de um único país. Também é comum associar os africanos com negros que vivem um tipo de organização tribal. Então, torna-se imperioso desmontar os preconceitos e dar a conhecer as pessoas a história do continente, principalmente por ter sido o berço da humanidade. 

      De acordo com Hans Küng, em sua obra As religiões do mundo: em busca do ponto comum de (2004, p. 38), “o homem é um ser que incessantemente reflete sobre suas origens. Na religião, na filosofia, nas ciências.” Ou seja, desde sempre, procurou entender, compreender e descobrir a resposta para milhares de perguntas vitais que se formulam. O homem respondeu primeiro com base no empírico, observando tudo o que o cercava, e ali descobriu sua incapacidade de revelar tudo por si só. Muitos estudiosos acreditam que o homo sapiens, o homem assim como é hoje teria desenvolvido em diversos lugares do mundo. Mas a tese mais aceite pelos antropólogos, é que o primeiro homem surgiu na África há cerca de dois milhões de anos atrás.     

Ainda segundo Küng, a maioria dos pesquisadores, com base em convincentes e recentíssimas descobertas, estão convencidos disso. O homo sapiens da quente e selvosa África tropical e subtropical, muito provavelmente do Great Rift Valley siro-africano ao norte da Zambeze. A África é, pois, nossa origem comum.
O homo sapiens tornou-se um produtor de formas ao inventar ferramentas que lhe permitiram ultrapassar a condição comum a todos os viventes, submetendo progressivamente a seus fins os meios e objetos sobre os quais incidia sua luta pela sobrevivência. O “salto qualitativo” das formas pré-humanas à forma humana do trabalho constitui o elo decisivo da hominização: o homo se tornou sapiens ao se tornar faber. (MORAES, 2011, p. 28). 

Nos albores da Pré-História,[2] dois milhões de anos antes de qualquer cultura escrita, surgiu ali o homo habilis, o homem que sabia talhar ferramentas de pedra. O Homo habilis surgiu há cerca de 2,5 milhões de anos e viveu entre o Pleistoceno baixa e média. Nessa altura, nas regiões tropicais, menos chuva e seca piorou. Os mais importantes restos fósseis deste hominídeo foram encontrados em:

    a)  Na Tanzânia (Garganta do Olduvai), onde o casal Mary e Louis Leakey arqueólogos descobriram o primeiro homo habilis. Este lugar é tão importante arqueologicamente que é chamado de "berço da humanidade".

b)     No Quênia (Koobi Fora), onde encontraram numerosos restos fósseis humanos, entre os quais o primeiro homo habilis.

c) Na Etiópia (deserto de Afar), o antropólogo  Donald Johanson e o estudante Tom Gray descobriram em 1974 o fóssil da Lucy com 3,2 milhões de anos. 

Os utensílios mais antigos que conhecemos foram desenterrados pelo arqueólogo queniano Louis Seymour Bazett Leakey (1903-1972), no tufo vulcânico da região da garganta do Olduvai e no Quênia, e com base nas camadas geológicas, ele conseguiu estabelecer sua idade entre 2 120 000 a 2 160 000 anos. Desde então novas descobertas ocorreram. A África acompanhou os desenvolvimentos dos outros continentes na antiga e média idade da pedra é o que demonstram instrumentos de pedra cada vez mais aperfeiçoados, assim como os desenhos rupestres. Na região do Zambeze, tanto as descobertas de ferramentas quanto aos túmulos permitem acompanhar com clareza o desenvolvimento do homo habilis, até nosso antepassado direto, o homo sapiens.  

Quanto a organização social, Souza (2007, p. 31), afirma que algumas sociedade africanas formaram grandes reinos como O Egito, o Mali, Songai, Axante e Daomé. Outros eram agrupamentos muito pequenos de pessoas que caçavam e coletavam o que a natureza oferecia ou plantavam o suficiente para o sustento da família e do grupo. O) chefe de família, cercado de seus dependentes e agregados era o núcleo básico de organização da África. assim, todos ficavam organizados pela autoridade de um dos membros do grupo, geralmente mais velho e que tinha dado mostras ao longo da vida  da sua capacidade de liderança, de fazer justiça, de manter a harmonia na vida de todo dia.  

Para Hans Küng, (2004, p. 39) “foi certamente a cerca de cem mil anos que o homo sapiens, começou sua trajetória pelo globo, deslocando os neandertalenses na Europa e em outros lugares.” Os cientistas também concordam que há cerca de 70 mil anos, sapiens da África Oriental se espalharam na península Arábica e de lá rapidamente tomaram o território da Eurásia. Quando o Homo sapiens chegou à Arábia, a maior parte da Eurásia já era ocupada por outros humanos. O que aconteceu com eles? A teoria da miscigenação conta uma história de atração, sexo e miscigenação. À medida que os imigrantes africanos se espalharam pelo mundo, eles procriaram, e as pessoas, hoje, é resultado dessa miscigenação, resultando assim, na diversificação genética das raças.

Entretanto, é preciso realçar como afirma Küng (2004, p. 39) que, “não se trata de espécies humanas diferentes, mas sempre do mesmo gênero humano. E embora existam muitas diferenças nas caraterísticas externas, pode-se admitir que todos nós temos uma origem africana comum. Por baixo da pele somos todos africanos.” Relativamente a diversificação racial ou genética, Paulo Guilherme Almeida afirma que:    
Essa diversificação genética, que chamamos diversas “raças” do planeta em todos os continentes foi estabelecida através de uma série de migrações ao longo de milhares de anos desde os nossos primeiros ancestrais inteiramente formados mostra que, em todos os lugares de credos, costumes e “raças” distintas, por baixo da pele invariavelmente somos iguais. (ALMEIDA, 2006, p. 58). 

Para o escândalo dos fundamentalistas, dos fanáticos ortodoxos e, sobretudo, dos racistas, existem menos diferenças no DNA de toda a raça humana do que num pequeno grupo de chimpanzés e gorilas. É por isso que a história da humanidade foi sempre marcada por guerras e perseguições originadas nas diferenças e nos ódios raciais,

Atualmente, ainda existe um preconceito que continua sendo difundido: antes das missões e da colonização, os africanos eram tidos como selvagens. Povos primitivos, grosseiros sem mínima cultura. Puro engano. Mesmo sem falar das antigas culturas do Egito, da Núbia e da Etiópia, outros povos africanos também evoluíram. De acordo com Küng (2004, p 43), “os africanos conseguiram chegar a uma cultura que supera de longe os aborígenes da Austrália, ou, em certos aspetos, pode mesmo ser comparada à cultura medieval europeia.” Segundo o mesmo autor: 
Do final do século XII até o final do século XVI, a África passou por um grande crescimento econômico, politico e cultural: para a África esses foram esses grandes séculos. A cidade do Grande Zimbábue, por exemplo, como suas gigantes construções graníticas. Ao sul do Saara não existe nenhum monumento cultural maior e mais impressionante do que essa antiga capital. (KÜNG, 2004, p. 43).

No final do século XVI, o desenvolvimento interno da África foi violentamente interrompido pela invasão externa. Foi nessa altura é que ocorreram estagnação e deformação dos povos africanos devido à invasão e a exploração levado a cabo pelos europeus. Apesar da missão evangelizadora e humanitária, essa interrupção do desenvolvimento da África pelo colonialismo europeu, teve a corresponsabilidade das Igrejas:
[...] Que as igrejas e as missões aplanaram o caminho para as potencias europeias chegassem à dominação sobre a África inteira. Ou mesmo que eles legitimaram apoiaram ideológica e teologicamente o poder imperialista. Só mais tarde que elas perceberam que isso não poderia continuar. E, aos poucos foram desvencilhando do colonialismo e se colocando ao lado dos negros em sua grande luta pela libertação. (KÜNG, 2004, p. 49).    

Apesar disso, na história da África sucederam rápidas mudanças durante o período entre 1880 e 1935. Na verdade as mudanças mais importantes, mais espetaculares e mais trágicas ocorreram num lapso de tempo curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase todo o continente africano pelas potencias imperialista e, depois, pela instauração do sistema colonial. Só em meio à luta de libertação, na década de 1970 é que as igrejas amplamente hostilizadas pelo sistema colonial distanciaram do colonialismo e a “africanizar” suas lideranças. Porém, na arte, a africanização ocorreu mais cedo. Não nos devemos admirar que eles representassem Jesus e os santos e até Adão e Eva, como negros. Por isso, o nacionalismo africano pode manifestar-se também na religião. De acordo com Aron Paul, em sua obra Mistérios da história, “isso encaixa com as descobertas dos biólogos mostrando que a morada primitiva de Eva – digamos o Éden – ficava na África.” (ARON, 2001, p. 6). 

Mesmo com a independência, a África continua se debatendo com problemas antigos. No prefácio do livro A África na sala de aula de Leila Leite Hernandez, o escritor Moçambicano, Mia Couto, afirma que: “a África vive uma tripla condição restritiva: prisioneira de um passado inventado por outros, amarrado a um presente imposto pelo exterior e, ainda, refém de metas que lhe foram construídas por instituições internacionais que comandam a economia.” (HERNANDEZ, 2005). Apesar de todos esses problemas, a África permaneceu em larga escala em continente religioso. Embora hoje socialmente, a África possa ser considerada um continente problemático, no futuro podemos vislumbrar um renascimento africano como aconteceu com a Europa. De acordo com Küng:
A África, com seus 750 milhões de habitantes, é um continente que tem futuro, apesar dos imensos problemas, e que está como que a espera do desenvolvimento e de investimentos [...] Ninguém espera que a cultura tribal se desenvolva rapidamente, nem que a religiosidade africana tradicional perca toda a sua importância. Pelo contrário, o pensamento africano e a religiosidade africana também tem algo a oferecer no futuro. (KÜNG, 2004, p. 53).       

Como todos sabemos, e confirmamos ao olhar para as pessoas que formam o povo brasileiro, os negros africanos deram uma contribuição muito importante para o Brasil. Mas, se, se perguntarmo-nos o que esperamos no futuro como contribuição africana para a ética comum da humanidade, a resposta mais óbvia é que os africanos contribuirão para a humanidade nos próximos milênios, através do seu forte senso de comunidade e solidariedade; com sua alta apreciação dos seus valores e critérios tradicionais; com a sua visão holística do mundo e do homem, onde há lugar para os jovens e velhos, onde a tradição e o progresso andam de mãos dadas.   

Considerações finais

Desse pequeno resumo de um tema tão complexo, e investigado por tanta gente, fica-se ciente de que realmente os seres humanos, independentemente da sua cor da pele, realmente possuem uma origem comum, justificando assim o título no artigo, ou seja, por baixo da pele somos todos africanos, uma metáfora que nos ajuda a pensar nossas origens e a entender melhor as relações étnico-raciais. Com efeito, não há como duvidar dos estudos e das provas que sustentam a tese de que o nosso antepassado mais distante foi encontrado na África.

A partir dai demarca-se a dispersão e a evolução da humanidade, tendo em conta as caraterísticas climáticas, hábitos alimentares, desenvolvimento biológico (cérebro, postura, etc.). Mas, é preciso ainda desmistificar a ideia de que a África sempre foi um continente subdesenvolvido, sem cultura, atrasada em que os povos são selvagens e sem religião. Numa leitura breve sobre a história da África acabamos verificando que o que é tido como verdade pelo senso comum, não tem fundamente histórico. Entretanto, reconhecem-se os problemas que herdamos de uma colonização que durou cinco séculos, e, pelo trágico processo de descolonização ainda a África enfrenta sérios problemas, que não teriam surgidos se a África não tivesse sido colonizada pelas grandes potencias europeias.
   
Sem ter a pretensão de mudar o rumo da história, podemos, entretanto, pensar em superar alguns dos nossos problemas fundamentais que ajudam a perpetuar-se as desigualdades, como o preconceito contra os negros. Como vimos, estes se ligam diretamente ao nosso passado, no qual os africanos eram considerados seres inferiores, primitivos, incapazes de construir civilizações evoluídas como as europeias, porem quem conhece um pouco sobre a história da África e dos africanos, sabe que não é tão bem assim. Na África também havia sociedade evoluídas que chegaram a formar reinos como o Egito, O mali, Songai, Oió, Axante e Daomé.    

PARA OBTER O ARTIGO EM PDF, CLIQUE AQUI: 
https://www.academia.edu/30948574/Por_baixo_da_pele_somos_todos_africanos 



Referências

ALMEIDA, Guilherme Paulo. A jornada do espírito. 1ª edição. Editora: Ibrasa, 2006. 

ARON, Paul. Mistérios da história: uma investigação reveladora sobre os acontecimentos mais intrigantes de todos os tempos. 1ª edição. Editora Manole. Barueri, SP, Brasil, 2001.
  
HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.

História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880, 1935/ citado por Albert Adu Boahen. – 2ª edição - rev. Brasília: UNESCO, 2010.

KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Tradução de Carlos Almeida Pereira. – Campinas, SP: Versus Editora, 2004.

MORAES João Quartim de. O humanismo e o homo sapiens. Artigos crítica marxista. 2011.

SOUSA, Maria Mello e. África e Brasil africano. 2. ed. - São Paulo, Ática, 2007. 




[1] Mestre em Ciências da Religião – (PUC-SP) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pós-Graduado em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional – (UCP) Universidade Católica de Petrópolis; foi aluno extraordinário do curso de Pós-Graduação em Filosofia da (PUC-Rio) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Licenciado em Filosofia – (UNI-CV) - Universidade Pública de Cabo Verde; Formado em Pedagogia (curso Inicial de formação de professores do EBI) - Instituto Pedagógico do Mindelo.
[2] A Pré-História corresponde ao período que vai do surgimento do homem primitivo (hominídeo) até a invenção da escrita. O termo Pré-História tem sido criticado, pois pode sugerir que o homem desse período não deva ser incluído na história. Ora, o homem, desde seu aparecimento, é um ser histórico, ainda que ele não utilizasse a escrita. Outras expressões foram propostas para denominar os povos sem escrita, como: povo pré-letrado, povo ágrafo etc. O emprego dessas expressões, entretanto, não se generalizou. Como o termo Pré-História é de uso universal, vamos também empregá-lo, mas conscientes de que esse período integra a história, em sentido amplo.