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terça-feira, 31 de maio de 2016

Por que a jihad global está perdendo?

Bobby Ghosh: 
Por que a jihad global está perdendo


"Para a grande maioria dos muçulmanos praticantes, jihad é uma luta interna pela fé. É uma luta interior, uma luta contra vício, pecado, tentação, luxúria, ganância. É uma luta para tentar e viver uma vida que seja baseada em códigos morais escritos no Alcorão. Na ideia original, o conceito de jihad é tão importante para muçulmanos como a ideia de graça é para cristãos. É uma palavra muito poderosa, jihad, se você olhar neste aspecto, e existe uma quase mística ressonância nela. E é essa a razão pela qual, por centenas de anos, muçulmanos em toda parte tem chamado seus filhos por Jihad, suas filhas tanto quanto seus filhos, da mesma forma que, digamos, cristãos chamam suas filhas de Graça, e hindus, meu povo, nomeiam suas filhas por Bhakti, que significa, em sânscrito, "culto espiritual".

Porém sempre existiu, no Islã, um pequeno grupo, uma minoria, que acredita que jihad não é apenas uma luta interior, mas também uma luta exterior contra forças que poderiam ameaçar a fé, ou os seguidores dessa fé. E algumas dessas pessoas acreditam que nesta luta, é válido usar armas às vezes. E assim, milhares de rapazes muçulmanos que emigraram para o Afeganistão nos anos 1980 para lutar contra a ocupação soviética de um país muçulmano, em suas cabeças eles estavam lutando uma jihad,eles estavam realizando jihad, e chamaram a si mesmos os "mujahideen", que é uma palavra oriunda da mesma raiz de jihad. E nós esquecemos isso agora, mas naquele tempo os mujahideen eram celebrados neste país, nos Estados Unidos.. Nós pensávamos neles como guerreiros sagrados que estavam lutando a boa guerra contra os comunistas ateus. Os Estados Unidos forneceram armas, dinheiro, apoio, encorajamento.

Mas dentro daquele grupo, uma parte ainda menor, uma minoria dentro de uma minoria dentro de uma minoria, estava emergindo com um novo e perigoso conceito de jihad, e depois esse grupo seria liderado por Osama bin Laden, e ele refinou a ideia. Sua ideia de jihad era de uma guerra global de terror,primariamente dirigida ao longínquo inimigo, ao cruzados do Oeste, contra os Estados Unidos. E as coisas que ele fez para buscar esta jihad foram tão horrendas e mostruosas, e tiveram tão grande impacto, que sua definição foi a que permaneceu, não apenas aqui no mundo ocidental. Não conhecíamos outra forma. Não paramos para perguntar. Apenas assumimos que se este homem insano e seus seguidores psicopatas estavam chamando o que fizeram de "jihad", então isso é o que "jihad" deveria significar. Mas não era apenas nós. Até no mundo muçulmano, sua definição de "jihad" começou a ganhar aceitação.

Um ano atrás eu estava em Tunis e encontrei o sacerdote (imam) de uma pequenina mesquita, um idoso .Quinze anos atrás, ele batizou sua neta "Jihad", seguindo o antigo significado. Ele esperava que um nome assim a inspirasse a viver uma vida espiritual. Mas ele contou-me que após 11 de setembro, ele começou a ter outras reflexões. Ele estava preocupado que se a chamasse pelo nome, especialmente ao ar livre, fora de casa em público, poderia ser visto como apoiador à ideia de "jihad" de Bin Laden. Às sextas em sua mesquita, ele dava sermões tentando resgatar o significado da palavra, mas seus fiéis, as pessoas que vieram à sua mesquita, eles têm visto os vídeos. Eles têm visto imagens de aviões batendo em torres, as torres caindo. Eles ouviram Bin Laden dizer que isso era "jihad", e reivindicando vitória por isso. E então o velho sacerdote preocupou-se que suas palavras não estão sendo ouvidas. Ninguém estava prestando atenção.

Ele estava errado. Algumas pessoas estavam atentas, mas por motivos errados. Os Estados Unidos, nesse ponto, estavam pressionando todos seus aliados árabes, incluindo a Tunísia, para acabar com o extremismo em suas sociedades, e esse sacerdote se encontrou repentinamente na mira do serviço de inteligência tunisiano. Eles nunca tinham prestado atenção antes ao idoso da pequena mesquita - mas agora eles começaram a prestar atenção, e às vezes arrastá-lo para questionamentos, e sempre com a mesma pergunta: "Por que você batizou sua neta de 'Jihad'? Por que continua usando a palavra "jihad" nos sermões de sexta-feira? Você odeia os norte-americanos? Qual é sua conexão com Osama Bin Laden?"
Então para a agência de inteligência tunisiana, e organizações similares em todo o mundo árabe, "jihad" é igual a extremismo, A definição de Bin Laden se institucionalizou. Este foi o poder da palavra que ele foi capaz de fazer. E isso encheu o idoso, encheu-o com grande tristeza. Ele me contou que, de todos os crimes de Bin Laden, este era, a seu ver, um que não teve atenção suficiente, que ele roubou essa palavra, essa ideia linda. Ele não apenas apropriou-se dela, mas a sequestrou e a rebaixou e corrompeu e transformou-a em algo que ela jamais foi, e então convenceu todos nós que sempre foi uma jihad global.

Mas a boa notícia é que a jihad global está quase acabada, como Bin Laden a definiu. Esta morrendo bem antes dele próprio, e agora está em seus últimos passos. Pesquisas de opinião em todo o mundo árabe mostram que há muito pouco interesse entre muçulmanos numa guerra santa global contra o mundo ocidental, contra o distante inimigo. O apoio de jovens desejosos de lutar e morrer pela causa está diminuindo. O suprimento de dinheiro -- tão importante, ou talvez mais importante -- o suprimento de dinheiro para esta atividade está diminuindo. Os fanáticos ricos que estavam antes financiando esse tipo de atividade estão agora menos generosos.

O que isso significa para nós no mundo ocidental? Significa que podemos abrir nossas champagnes, lavar as mãos, despreocupar, dormir bem? Não. Despreocupar não é uma opção, porque se deixar a jihad local sobreviver, ela se torna jihad internacional.

 Hoje há muitas e diferentes jihads violentas em todo o mundo. Na Somália, em Mali, na Nigéria, no Iraque, no Afeganistão, Paquistão, há grupos que reivindicam serem os herdeiros do legado de Osama Bin Laden. Eles usam seu discurso. Eles até usam o nome da marca que ele criou para sua jihad. Então existe agora umaAal Qaeda no Maghreb islâmico,existe uma Al Qaeda na Península Árabe, existe uma Al Qaeda na Mesopotâmia. Há outros grupos -- na Nigéria, Boko Haram, na Somália, Al Shabaab -- e todos eles prestam homenagem a Osama Bin Laden. Mas se você olhar de perto, eles não lutam uma jihad global. Eles estão lutando batalhas em questões muito menores. Geralmente, tem a ver com etnia ou raça ou sectarismo, ou é uma luta por poder. Na maioria das vezes, é uma luta por poder em uma país ou mesmo uma pequena região dentro de um país.Ocasionalmente, eles atravessam fronteiras, do Iraque para Síria, de Mali para Argélia, da Somália para Quênia, mas eles não lutam uma jihad global contra algum inimigo distante.

Mas isso não significa que podemos relaxar. Estava no Iêmen recentemente, onde é a casa da última franquia Al Qaeda que ainda aspira atacar os Estados Unidos, atacar o mundo ocidental. É a velha escola da Al Qaeda. Você deve lembrar desses caras. Eles são os que tentaram enviar um homem-bomba para cá, e eles estavam usando a Internet para tentar e instigar a violência entre muçulmanos americanos. Mas eles foram confundidos recentemente. Ano passado, eles tomaram o controle de uma porção sulina do Iêmen, e a administraram ao estilo do Taliban. E então os militares do Iêmen se recompuseram, e pessoas comuns se levantaram contra esses caras e os expulsaram, e desde então a maioria de suas atividades, a maioria de seus ataques estão sendo dirigidos ao povo do Iêmen.

Então eu penso que chegamos ao ponto agora onde podemos dizer que, assim como toda política, toda jihad é local. Mas que ainda não é razão para nos despreocuparmos, porque já vimos esse filme antes no Afeganistão. Quando aqueles mujahideen derrotaram a União Soviética, nós nos despreocupamos. E mesmo antes de terminar o barulho de abrir a champagne, o Talibã havia tomado Kabul, e dissemos, "Jihad local, não é nosso problema." E então o Talibã deu as chaves de Kandabar para Osama bin Laden. Ele tornou isso nosso problema. Jihad local, se você a ignora, torna-se jihad global novamente.

A boa notícia é que isso não precisa que acontecer. Sabemos como combatê-la agora. Temos as ferramentas. Temos o conhecimento e podemos pegar as lições que aprendemos da luta contra a jihad global, da vitória contra a jihad global, e aplicá-las à jihad local.
Quais são essas lições? Sabemos quem matou bin Laden: Equipe 6 da SEAL (equipe de operações especial da marinha dos EUA) Nós sabemos, compreendemos quem matou o bin Ladenismo? Quem pôs fim à jihad global? Aí estão as respostas para resolver a jihad local.

Quem matou o bin Ladenismo? Começou pelo próprio bin Laden. Ele provavelmente pensou que o 11 de setembro fora uma grande conquista. Na verdade, foi o começo de seu fim. Ele matou 3 mil pessoas inocentes e isso encheu o mundo muçulmano de horror e repulsa, e isso significou que sua ideia de jihadjamais poderia ser a corrente principal. Ele se condenou a operar na marginalidade de sua própria comunidade. 11 de setembro não lhe deu poder, mas o amaldiçoou.

Quem matou o bin Ladenismo? Abu Musab al-Zarqawi o matou. Ele era o sádico chefe da al Qaeda no Iraque que enviou centenas de homens-bomba suicidas atacar não os americanos, mas os iraquianos. Muçulmanos, sunitas e também xiitas. Qualquer reivindicação de que al Qaeda estivesse protegendo o Islam dos cruzados ocidentais afundou no sangue dos muçulmanos iraquianos.

Quem matou Osama Bin Laden? A equipe 6 da SEAL. Quem matou Bin Ladenismo? Al Jazeera matou, Al Jazeera e meia dúzia de outras estações (via satélite) de notícias em árabe, porque eles ultrapassaram as velhas e governamentais estações de TV em muitos países que eram projetadas para esconder informação do povo. Al Jazeera trouxe informação para eles, mostrou a eles que o que estava sendo dito e feito em nome de sua religião, expôs a hipocrisia de Osama Bin Laden e Al Qaeda, e permitiu a eles, deram-lhes a informação que permitiu a eles tirarem suas próprias conclusões.
Quem matou o bin Ladenismo? A Primavera Árabe matou, porque mostrou um caminho para os jovens muçulmanos de trazer mudança numa maneira que Osama Bin Laden, com sua imaginação limitada, jamais poderia conceber.

Quem derrotou a jihad global? As forças militares norte-americanas derrotaram, os soldados americanos, seus aliados, lutando em campos de batalha distantes. E talvez, chegará a hora em que eles terão o justo crédito por isso.

Então todos esses fatores, e muitos outros, que alguns deles sequer compreendemos completamente,se juntaram para derrotar uma monstruosidade tão grande quanto o bin Ladenismo, a jihad global, exigiu esse esforço de grupo.

Agora, nem todas essas coisas funcionarão na jihad local. As forças militares norte-americanas não marcharão na Nigéria para pegar grupo Boko Haram, e é improvável que a Equipe 6 da SEAL irá invadiras casas de líderes do Shabaab para pegá-los.

Mas muitos desses outros fatores que estavam em jogo são agora mais fortes que antes. Metade do trabalho já foi feito. Não temos que re-inventar a roda. A noção de jihad violenta onde mais muçulmanos são mortos mais que qualquer outro povo já está totalmente desacreditada. Não precisamos voltar nisso. Tv via satélite e Internet estão informando e dando poder a jovens muçulmanos de forma nova e estimuladora. E a Primavera Árabe produziu governos, muitos deles governos islâmicos, que sabem que, para sua própria continuidade, precisam pegar os extremistas em seu meio. Não precisamos os persuadir, mas precisamos realmente ajudá-los porque eles não estiveram nessa situação antes.

A boa notícia, novamente, é que muitas coisas que eles precisam nós temos, e somos bons em dar:assistência econômica, não apenas dinheiro, mas perícia, tecnologia, conhecimento prático,investimento privado, termos justos de comércio, medicina, educação, suporte técnico para treinamentopara suas forças policiais tornarem-se mais efetivas, para suas forças anti-terroristas tornarem-se mais eficientes. Nós temos muitas dessas coisas.

Algumas das outras coisas de que precisam não somos muito bons em dar. Talvez ninguém seja.Tempo, paciência, sutileza, compreensão -- essas são difíceis de dar. Eu moro em Nova York agora. Nesta semana, posters foram fixados nas estações de metrô de Nova York descrevendo jihad como selvagem.

Mas em todos os muitos anos que cobri o Oriente Médio, nunca fui tão otimista como sou hoje que a diferença entre o mundo muçulmano e o ocidente está diminuindo rapidamente, e uma das muitas razões para meu otimismo é porque sei que existem milhões, centenas de milhões de pessoas, muçulmanos como o velho sacerdote em Tunis, que estão recuperando essa palavra e restaurando seu belo propósito original. Bin Laden está morto. Bin Ladenismo foi derrotado. Sua definição de jihad pode ser apagada agora. Para essa jihad, podemos dizer "Adeus. Boa viagem." Para a verdadeira jihad, podemos dizer "Bem-vinda de volta. Boa sorte." 

Obrigado. 


Translated by Weber Martins  
Reviewed by Rafael Porteza

quarta-feira, 25 de maio de 2016

A moral e a ética

Na filosofia, é sabido que as religiões sempre tiveram papel essencial naquilo que os povos compreendem como fundamento dos valores morais. Religiões são, por isso, definidos costumeiramente como sistemas de sentido para a vida das pessoas neste mundo e no mundo vindouro que elas acreditam existir. 

Originalmente, moral é ética são sinônimos e descendem do que foi escrito por filósofos como Aristóteles na Grécia, e Cícero em Roma. Ambos descrevem o que seriam hábitos e costumes de um povo, e as normas que os regram e que deles brotam a partir da tradição de comportamento herdado e das discussões que as pessoas estabelecem conscientemente ao longo do tempo de vida delas e de suas instituições IIgrejas, escolas, famílias, governos, arte etc.). 

Com o tempo, moral acabou por constituir-se no estudo mais amplo desse espectro de hábitos e costumes, e a ética passou a designar a disciplina filosófica específica que busca estabelecer as normas para esses comportamentos de modo reflexivo e racional. A medida que a sociedade ocidental se modernizou, hábitos e costumes foram sendo dilacerados e contaminados pela ciência moderna e pelo secularismo, implicando um esforço comum de enfrentamento desses processos de desencaixe das tradições antigas e medievais. Entre elas, as crenças fundamentais do Cristianismo. 

Referência: 

PONDÉ, Luiz Felipe. O catolicismo hoje.- São Paulo: Benvirá, 2011. 136p.- (Para entender). 

OS SETE PECADOS CAPITAIS

No séc. IV, o filósofo cristão grego Evágrio do Ponto elaborara para os "maus desejos" a teoria dos oito pecados capitais: soberba, avareza, inveja, ira, luxuria, gula, preguiça, e tristeza. No séc. VII, a Igreja Validaria a tese de Evárgio, suprimindo a tristeza.Assim reduzindo a lista para que os sete pecados capitais tão bem conhecidos no Ocidente. A superação deu-se justamente porque a tristeza, ao contrário das demais faltas, não corresponde a um desejo. Na teoria moderna para a depressão, trata-se exatamente de ausência de qualquer desejo. Donde poderíamos concluir que ou se é escravo do desejo, ou se é escravo da depressão [...] 

  • Prazeres & Pecados, dirigido por Leonardo Brant, aborda os contrastes e alterações dos códigos morais no mundo contemporâneo.O que é proibido e o que é permitido na sociedade atual? Quais são os códigos morais e referenciais éticos que permeiam atitudes, moldam o cidadão contemporâneo e constroem a ideia de futuro e convívio em sociedade?


GULA 
AVAREZA
INVEJA
IRA 
LUXURIA 
PREGUIÇA
SOBERBA


Direção e argumento: Leonardo Brant
Com a colaboração de: Caio Amon
Produção Executiva Claudia Taddei e Leonardo Brant
Direção de Fotografia Leandro Virno
Montagem, som, trilha e finalização: Caio Amon
Correção de cor: Edu Rabin
Produção:Graziela Mantoanelli
Assistente de produção: Giulliano Dierchx
Maquiagem: Cristina Lopes
Participação especial: Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé, Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, Padre Contieri, José Alves de Freitas Neto e Oswaldo Giacoia
Produção Cultural: Comtato
Produção audiovisual: Deusdará
Internet: Caio Amon, Lucas Guedes, Matheus Pichonelli
Apoio: Deusdará, Comtato, CPFL Cultura
Patrocínio: CPFL Energia
Realização: Ministério da Cultura

Esta produção faz parte do projeto Mostra do Contemporâneo sob o Programa de Apoio à Cultura - PRONAC 127044

FONTE



domingo, 22 de maio de 2016

O papel de Max Müller para a consolidação da Ciência da Religião




Friedrich Max Müller, (1823-1900), foi um estudioso alemão de linguagem comparada, religião e mitologia. As áreas especiais de interesse de Müller foram a filologia sânscrita e as religiões da Índia. Müller foi educado em sânscrito, a língua clássica da Índia, e outras línguas em Leipzig, Berlim e Paris. Ele mudou para a Inglaterra em 1846 e se estabeleceu em Oxford em 1848, onde se tornou vice professor de línguas modernas em 1850. Ele foi nomeado professor de filologia comparativa em 1868.



Ainda na época que acontece a institucionalização da Ciência da Religião, teólogos, filósofos e filólogos europeus como, por exemplo, o suíço Johann Georg Muller, desde 1837 davam cursos da área de história de religiões. Paralelamente, aqui, e ali, o termo “Ciência da Religião” já havia sido aplicado. 

Pelo que se sabe, os primeiros dois autores que usaram essa designação foram Abbé Prosper Leblanc (1852) e F. Stiefelhagem (1858), porém, não no sentido estrito como no caso do orientalista alemão Max Müller, formado em Paris por Eugène Burnouf e desde 1854 contratado pela universidade de Oxford como indólogo e filólogo. 

Foi ele que, no prefácio do seu livro Chips from german Workshop, publicado em 1867 em Londres, introduziu o termo Ciência da Religião no sentido de uma disciplina própria. O que Muller esperava tornou-se mais claro no título de uma outra obra lançada em 1870, Uber die vergleichend Religionswissenchaft. 

Segundo ele, a Ciência da Religião teria de ser uma disciplina comparativa. Porém, não era muito concreto quanto a programática dessa nova matéria acadêmica. Mais do que isso, como representante do “paradigma mitológico-natural”, defendeu uma abordagem cada vez menos aceita à medida que no séc. XIX aproximava-se de seu fim.   

Essa escola de pensamento iniciada por Adalbert Kuhn n seu livro, Die Herabkunft dês feures und dês Gottertranks, publicada em 1859 em Berlim, referiu-se à fisiologia comparativa das línguas dos chamados povos indo-europeus interpretando os seus resultados de uma maneira específica. No olhar da “escola mitológica-natural”, figuras mitológicas e religiosas teriam de ser interpretados como personificações de objetos e fenômenos naturais, especificamente das grandes estrelas e eventos metrológicos como a tempestade e a chuva.   

Não somente do ponto de vista de hoje tal paradigma é obsoleto. As teorias de seus representantes já sofreram fortes críticas de contemporâneos, e Max Muller, o grande popularizador da “escola mitológica-natural”, tornou-se o objetivo preferido de escárnio. Cada vez mais desafiado por um paradigma alternativo, o da escola animista de Edward Burnett Tyler, Müller precisou observar a desmontagem da sua abordagem. 

Não obstante, Max Müller é até hoje apreciado como um dos mais importante pioneiros da Ciência da Religião. Além de ter insistido no status próprio da disciplina, ele despertou, em suas teses polêmicas, enorme interesse público por sua nova matéria e “incentivou, em vários sentidos, o uso das fontes, como base obrigatória do trabalho científico com as religiões. Exatamente por isso a contribuição mais duradora e valorosa do filólogo alemão foi a organização dos famosos Sacred Books of the Earth. Entre 1879 e 1898, dois anos antes da morte de Müller, a série chegou a 50 volumes.  
  
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Referências 
USARSKI, Frank. Constituintes da Ciência da Religião: cinco ensaio em prol de uma disciplina autônoma.- São Paulo: Paulinas, 2006 (Coleção representando a religião)
GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é ciência da religião? Trad. Frank Usarski. São Paulo: Ed. Paulinas, 2005.


sexta-feira, 20 de maio de 2016

O BUDISMO



O Budismo é um dos fenômenos mais antigos do mundo. É a quarta religião depois do Cristianismo, do Judaísmo e do Hinduísmo. O Budismo não é propriamente uma religião mas mais uma filosofia de vida, visto que, no centro da sua mensagem está o homem; Deus fica numa enigmática penumbra.

O objectivo do Budismo – não é a fusão em Brama (o Absoluto), nem a união com Deus, mas chegar ao Nirvana que significa apagar os fogos da saudade e do apego (este pode ser atingido nesta vida). Ensina a via para fugir ao sofrimento e à dor.

A História
O verdadeiro nome de Buda (= iluminado) foi Siddharta Gotama. Nasceu no Nepal, Nordeste da Índia, entre o séc. VI e IV a.C.) (segundo a tradição por volta do ano 566 a. C.), numa família real do clã Xáquia. O pai, temendo que pudesse ser abalado por desagradáveis, manteve-o na área do palácio. Todavia, aos 29 anos, Gotama viu o sofrimento humano, pela primeira vez, sob a forma de um velho, um doente e um morto. Ao deparar com um asceta (monge), resolveu seguir essa antiga via e fugir de casa, de noite, deixando a mulher e a família. Após seis anos de severa austeridade, atingiu o seu objectivo. Mas não escapara ainda ao sofrimento. Sentado debaixo de uma árvore Bodhi, a da iluminação, passou por todas as fases de meditação e atingiu a iluminação, compreendendo a verdadeira natureza do sofrimento. A partir daí foi conhecido por Buda, literalmente "o acordado", e, durante cerca de 40 anos, até morrer, dedicou-se a ensinar a outros o caminho para chegar à iluminação.

O espectro de postura do Budismo diante de desafios inter-religiosos

Ao longo de uma história de mais de dois mil e quinhentos anos, o Budismo adquiriu um rico repertório de figuras retóricas e estratégicas argumentativas que lhe permitiram firmar posição em situações inter-religiosas. Essa pluralidade tem a ver com os seguinte fatos: conforme a teoria de Niklas Luhman, sistemas abertos como os sociais mantêm suas identidades através da demarcação nos ambientes em que se desenvolvem. Isso significa, nos termos da Sociologia da Religião, que qualquer comunidade religiosa convicta de possuir uma oferta espiritual válida e espacial tem interesse em proteger sua herança espiritual contra infiltrações externas que poderiam eclodir a "estrutura de pausibilidade" e a integridade do grupo em questão. 

Dentro desse quadro geral, o Budismo primitivo enfrentou a situação de que, desde a morte de Sidhartha Gautama, a comunidade não possui mais um porta-voz ou uma hierarquia institucional cuja cúpula pudesse falar em nome oficial de uma religião relativamente homogênea. Além das divergências internas, o Budismo foi transplantado para regiões fora da sua terra de origem e teve de se adequar linguística, doutrinária e simbolicamente às modalidades de novas culturas. 

Em todos os casos o Budismo, foi exposto a uma rede complexa de fatores feográficas, socioeconômicas e políticas, além de interesses religiosos multilaterais. A variedade de opções retóricas acumuladas pelo Budismo corresponde à variedade das circunstâncias. Foram, portanto, os desafios implícitos nas situações dadas que estimularam o Budismo a elaborar, aperfeiçoar e modificar respostas adequadas, sejam em conceitos apologéticos, argumentos em prol da sua autojustificativa e raciocínios proseletistas, sejam em termos de consenso com o interlocutor alheio sobre um determinado tópico. 

Entre as constelações que desafiaram o autorreconhecimento do Budismo como credo representativo de ago especial ou mesmo único, há três que que se deve recordar. São elas: 

1.  Os esforços do Budismo, como sistema religioso recém fundado, de se impor em um ambiente ideologicamente pré-definido pelo Bramanismo; 
2.  Atividades proseletistas budistas em novos territórios onde o budismo inicialmente assumiu sua posição minoritária;
3.  Processo de expansão do budismo para o Ocidente, a confrontação do Budismo com contextos multirreligiosos contemporâneos. 

USARSKI, Frank. O Budismo e as outras: encontros e desencontro entre as grandes religiões mundiais. - Aparecida SP: Editora Ideias & Lettras, 2009. 
Budismo: http://religioes.home.sapo.pt/budismo.htm 20/05/2016







quinta-feira, 19 de maio de 2016

AS DIVERSAS NOMENCLATURAS DA CIÊNCIA DA RELIGIÃO

[...] Devido às preferência individuais a respeito do escopo e o caráter da matéria, do seu estatuto epistemológico e das suas funções acadêmicas  e extra-acadêmicas, não surpreende que o debate tenha trazido um consenso sobre todos os pormenores da necessária adaptação curricular da disciplina oferecida para os candidatos de mestrado. Porém, contribui para verificar uma unanimidade pelo menos sobre os seguintes cinco aspetos intimamente inter-relacionados: 

  • 1) Encontra-se uma variedade de nomenclaturas da disciplina. Dependendo da opção pelo singular ou pelo plural das constituintes da denominação, usa-se em diferentes contextos um dos quatro rótulos possíveis: ciências da religião, ciência da religião, ciência das religiões, ciência das religiões. Entretanto essa heterogeneidade pode ser relevante para a apresentação externa da disciplina em seus respetivos ambientes, ela não atinge o consenso de seus representantes sobre a estrutura interna da matéria. Pelo contrário, há unanimidade sobre seu caráter "pluralista", no sentido de uma abordagem "poli-metodológica";
  • 2) Tal pluralidade interna não é um sintoma de falta de reflexão metateórica sobre a disciplina ou de desinteresse por sua autonomia institucional, mas uma consequência da complexidade, ou seja, da multidimensionalidade do seu objeto;
  • 3) A ciência da religião mostra sua competência em liderar com tal riqueza fenomenológica na medida em que atua como uma "ciência integral das religiões"  que se constitui mediante um intercâmbio permanente com outras disciplinas cujo saber específico contribui dieta ou indiretamente para um saber mais profundo e completo sobre a religião e suas manifestações múltiplas;
  • 4) A futura prosperidade da ciência da religião depende não apenas da dinâmica entre ela e suas matérias auxiliares "aprovadas" e disciplinas de referência tradicionais, mas também de sua abertura contínua aos discursos inovadores em área de pesquisas até então negligenciadas;
  • 5) A riqueza do material relevante promovido tanto por esforços interdisciplinares quanto pela referência a suas subdisciplinas e disciplinas auxiliares requer do cientista da religião a disponibilidade de submeter seu trabalho individual a uma dinâmica coletiva conforme o princípio da divisão de trabalho organizado de acordo com as especialidade individuais e em função da produção de um conhecimento integrado [...] 

USARSKI, Frank. O espectro disciplinar da ciência da religião/ Frank Usarski (org). - São Paulo: Paulinas, 2007.- (Coleção repensando a religião)       

quarta-feira, 18 de maio de 2016

QUAL A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA DA RELIGIÃO?

Entrevista | João Décio Passos - Sobre a Ciência da Religião | Parte 1

Entrevista | João Décio Passos - Sobre a Ciência da Religião | Parte 2

Compêndio de Ciência da Religião | João Décio Passos







terça-feira, 17 de maio de 2016

JESUS REALMENTE EXISTIU? QUEM ERA ELE?

Jesus realmente existiu? 

Voltando ao problema da cristologia: Quem era Jesus Cristo?

Afinal, quem era Jesus? [...] Trata-se de uma das mais importantes controvérsias na raiz da identidade teológica do cristianismo e terá forte impacto sobre o catolicismo romano do início deste século. 

A opção final dos primeiros cristãos será pela natureza dupla e não misturada de Cristo, Deus e homem. Quando chora e agoniza na cruz, é o homem que fala. Quando ressuscita,é Deus quem vence a morte humana. Por outro lado, a dupla natureza de Cristo será importante para entendermos o peso da sua paixão: um Deus que sente dor por amor (ágape) à humanidade, esvaziando-se de seus "superpoderes" por sofrer a paixão em nome da pedagogia do amor, pedindo ao Pai que "perdoe porque eles não sabem o que fazem" e nos "redimindo" de nossos pecados. A escolha pela dupla natureza não deve ser menosprezada porque ela carrega em si um sentido teológico essencial. 

Se Jesus fosse apenas um homem, mais um profeta de Israel ou um "mero" messias, como diziam os arianos, ele não teria poder de interromper sua paixão, e, portanto seu amor pela humanidade poderia ser "diminuído", uma vez que fosse visto como fruto, em parte, da sua impossibilidade de mudar seu destino, isto é, de não sofrer a paixão injusta, uma espécie de sublimação melosa de seu fracasso. Jesus sofria por não poder evitar a sua própria agonia e, portanto, sua morte não poderia ser evitada, e se amor seria então o amor de um justo mas fraco, como todos nós. Seu amor não teria o impacto cosmológico moral e alterar a economia do pecado. Há uma fina psicologia de Cristo em jogo aqui.

Se, por todo lado, ele fosse apenas espírito, sua paixão seria uma farsa para emocionar o povo. Sua dor seria uma mentira.

Sendo ele apenas um homem, seu amor seria "menor"; sendo ele apenas um espírito divino, sem corpo, seu amor seria sem agonia verdadeira. Apenas a dupla natureza daria a Jesus sua grandeza teológica: um Deus que sofre livremente por amor à humanidade. 

Todavia, a crítica  histórica pontuará que a divinização de Jesus será feita à custa de seu caráter popular original. Até na arte da época pode-se ver os sinais desse processo de divinização como roubo de Cristo do povo e recriação da figura de Jesus na pele de um Deus que, na realidade, se faz parte do imperador bizantino: no teto da Basílica de Santa Sofia, em Istambul, hoje chamada de Aya Sofia pelos turcos, vemos o Deus Cristo "de mãos dadas" com o imperador, enquanto o povo fica de fora. 

Mais uma vez, política e teologia se confundem. Se é verdade que Cristo pobre foi substituído, com sua divinização, pelo Cristo da aristocracia bizantina, nem por isso, a teoria da dupla natureza de Cristo é menos importante para o drama que associa um Deus à paixão na cruz. Os desdobramentos contemporâneos dessa questão são muitos [...] 


PONDÉ, Luiz Felipe. O catolicismo hoje.- São Paulo: Benvirá, 2011. 136p.- (Para entender).        

II° SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE RELIGIÃO E MIGRAÇÃO


II° SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE RELIGIÃO E MIGRAÇÃO
“Diásporas africanas e processos sócio-religiosos”

MISSÃO PAZ (São Paulo) – PUCSP (São Paulo) - SIMI (Roma, Itália)
6 a 8 de junho de 2016


De 6 a 8/6, acontece o 2º Simpósio Internacional sobre Religião e Migração, com o tema Diásporas africanas e processos sócio-religiosos.  As inscrições para interessados e para sessões de comunicação são realizadas pelo site www.missaonspaz.org. No primeiro dia, as atividades acontecem no Tucarena e, nos demais, no campus Monte Alegre, auditório 239 (prédio novo, 2º andar)

 Comitê científico:
Donizete José Xavier (PUCSP), Edin Sued Abumansur (PUCSP), Fabio Baggio (SIMI, Roma),  Fernando Altemeyer Jr. (PUCSP), Gioacchino Campese (SIMI, Roma), João Décio Passos (PUCSP), José Carlos Pereira (CEM, São Paulo), Paolo Parise (Missão Paz, São Paulo) e Wagner Lopes Sanchez (PUCSP).  

Coordenação do Simpósio:
Edin Sued Abumansur, Wagner Lopes Sanchez, Welder Lancieri  Marchini  e Wellington da Silva de Barros

Programação: 


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Religare Conhecimento e Religião sobre Multiculturalismo e interculturalidade

"O professor Ênio José Brito (Pós em Ciência da Religião da PUC-SP) discute a diversidade cultural na sociedade através do multiculturalismo e do interculturalismo em entrevista ao programa Religare".
Bloco I 

Bloco II



O que define uma religião?

Frank Usarski professor de Ciência da Religião da PUC-SP, mostra a complexidade na definição do termo "religião" e mostra as diversas explicações que podem ser usadas para a sua definição...


Estatuto Epistemológico da Ciência da Religião

Primeiro, as perguntas epistemológicas 

Antes de tudo, nossa tarefa aqui é esclarecer o que se tem em mente quando se usa a expressão algo ambiciosa “Estatuto Epistemológico da Ciência da Religião”. Não falamos aqui tanto em “epistemologia” como disciplina e teoria geral do conhecimento, mas mais propriamente como “teoria da ciência”, pois muito do que está em jogo diz respeito ao como praticar uma Ciência da Religião.

Basicamente procura-se uma resposta para questões tais como: O que permite dizer-se que a Ciência da Religião é uma ciência? Trata-se de uma ciência, ou de várias ciências coligadas? Ela é uma disciplina autônoma, que merece seu lugar na academia? E, seu objeto, “religião”, também é único e original, ou é múltiplo e derivado? E como a Ciência da Religião se diferencia de outras disciplinas, principalmente a Antropologia da Religião e a Teologia? É parte das “humanidades”, ou é uma ciência em sentido mais estrito, seguindo alguns padrões das Ciências Naturais?

Destaque-se aqui o papel da teoria (e há muitas em Ciência da Religião) para que se possa encaminhar a discussão do que está em jogo em tais perguntas. Da teoria pode-se dizer que é uma imagem operacional de um aspecto da religião. Digo operacional porque não se trata de uma imagem pictórica ou um modelo (mais sobre ele a seguir) ou ainda uma visão de mundo. Ela precisa operar sobre um conjunto de fenômenos (quanto mais abrangente, melhor), fornecendo explicações coerentes e falsificáveis. É através delas que se permite responder: o que é conhecido, como se conhece, e se de fato há um conhecimento, isto é, se as hipóteses são verdadeiras e se se referem objetivamente a algo do que chamamos de realidade.

Parte da resposta (se é que podemos chamar assim) a essas questões decorre de se narrar a própria história da disciplina, mais que centenária. O capítulo de Frank Usarski deste Compêndio já cobre muito do que é relevante para a presente discussão, e assim podemos partir de um momento na história de nossa disciplina que marcou toda a discussão posterior, inclusive em nossos dias: a figura, a obra e as propostas metodológicas de Mircea Eliade.


CRUZ, Eduardo A. "Estatuto epistemológico da Ciência da Religião."PASSOS, João (2013).