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terça-feira, 31 de maio de 2016

Por que a jihad global está perdendo?

Bobby Ghosh: 
Por que a jihad global está perdendo


"Para a grande maioria dos muçulmanos praticantes, jihad é uma luta interna pela fé. É uma luta interior, uma luta contra vício, pecado, tentação, luxúria, ganância. É uma luta para tentar e viver uma vida que seja baseada em códigos morais escritos no Alcorão. Na ideia original, o conceito de jihad é tão importante para muçulmanos como a ideia de graça é para cristãos. É uma palavra muito poderosa, jihad, se você olhar neste aspecto, e existe uma quase mística ressonância nela. E é essa a razão pela qual, por centenas de anos, muçulmanos em toda parte tem chamado seus filhos por Jihad, suas filhas tanto quanto seus filhos, da mesma forma que, digamos, cristãos chamam suas filhas de Graça, e hindus, meu povo, nomeiam suas filhas por Bhakti, que significa, em sânscrito, "culto espiritual".

Porém sempre existiu, no Islã, um pequeno grupo, uma minoria, que acredita que jihad não é apenas uma luta interior, mas também uma luta exterior contra forças que poderiam ameaçar a fé, ou os seguidores dessa fé. E algumas dessas pessoas acreditam que nesta luta, é válido usar armas às vezes. E assim, milhares de rapazes muçulmanos que emigraram para o Afeganistão nos anos 1980 para lutar contra a ocupação soviética de um país muçulmano, em suas cabeças eles estavam lutando uma jihad,eles estavam realizando jihad, e chamaram a si mesmos os "mujahideen", que é uma palavra oriunda da mesma raiz de jihad. E nós esquecemos isso agora, mas naquele tempo os mujahideen eram celebrados neste país, nos Estados Unidos.. Nós pensávamos neles como guerreiros sagrados que estavam lutando a boa guerra contra os comunistas ateus. Os Estados Unidos forneceram armas, dinheiro, apoio, encorajamento.

Mas dentro daquele grupo, uma parte ainda menor, uma minoria dentro de uma minoria dentro de uma minoria, estava emergindo com um novo e perigoso conceito de jihad, e depois esse grupo seria liderado por Osama bin Laden, e ele refinou a ideia. Sua ideia de jihad era de uma guerra global de terror,primariamente dirigida ao longínquo inimigo, ao cruzados do Oeste, contra os Estados Unidos. E as coisas que ele fez para buscar esta jihad foram tão horrendas e mostruosas, e tiveram tão grande impacto, que sua definição foi a que permaneceu, não apenas aqui no mundo ocidental. Não conhecíamos outra forma. Não paramos para perguntar. Apenas assumimos que se este homem insano e seus seguidores psicopatas estavam chamando o que fizeram de "jihad", então isso é o que "jihad" deveria significar. Mas não era apenas nós. Até no mundo muçulmano, sua definição de "jihad" começou a ganhar aceitação.

Um ano atrás eu estava em Tunis e encontrei o sacerdote (imam) de uma pequenina mesquita, um idoso .Quinze anos atrás, ele batizou sua neta "Jihad", seguindo o antigo significado. Ele esperava que um nome assim a inspirasse a viver uma vida espiritual. Mas ele contou-me que após 11 de setembro, ele começou a ter outras reflexões. Ele estava preocupado que se a chamasse pelo nome, especialmente ao ar livre, fora de casa em público, poderia ser visto como apoiador à ideia de "jihad" de Bin Laden. Às sextas em sua mesquita, ele dava sermões tentando resgatar o significado da palavra, mas seus fiéis, as pessoas que vieram à sua mesquita, eles têm visto os vídeos. Eles têm visto imagens de aviões batendo em torres, as torres caindo. Eles ouviram Bin Laden dizer que isso era "jihad", e reivindicando vitória por isso. E então o velho sacerdote preocupou-se que suas palavras não estão sendo ouvidas. Ninguém estava prestando atenção.

Ele estava errado. Algumas pessoas estavam atentas, mas por motivos errados. Os Estados Unidos, nesse ponto, estavam pressionando todos seus aliados árabes, incluindo a Tunísia, para acabar com o extremismo em suas sociedades, e esse sacerdote se encontrou repentinamente na mira do serviço de inteligência tunisiano. Eles nunca tinham prestado atenção antes ao idoso da pequena mesquita - mas agora eles começaram a prestar atenção, e às vezes arrastá-lo para questionamentos, e sempre com a mesma pergunta: "Por que você batizou sua neta de 'Jihad'? Por que continua usando a palavra "jihad" nos sermões de sexta-feira? Você odeia os norte-americanos? Qual é sua conexão com Osama Bin Laden?"
Então para a agência de inteligência tunisiana, e organizações similares em todo o mundo árabe, "jihad" é igual a extremismo, A definição de Bin Laden se institucionalizou. Este foi o poder da palavra que ele foi capaz de fazer. E isso encheu o idoso, encheu-o com grande tristeza. Ele me contou que, de todos os crimes de Bin Laden, este era, a seu ver, um que não teve atenção suficiente, que ele roubou essa palavra, essa ideia linda. Ele não apenas apropriou-se dela, mas a sequestrou e a rebaixou e corrompeu e transformou-a em algo que ela jamais foi, e então convenceu todos nós que sempre foi uma jihad global.

Mas a boa notícia é que a jihad global está quase acabada, como Bin Laden a definiu. Esta morrendo bem antes dele próprio, e agora está em seus últimos passos. Pesquisas de opinião em todo o mundo árabe mostram que há muito pouco interesse entre muçulmanos numa guerra santa global contra o mundo ocidental, contra o distante inimigo. O apoio de jovens desejosos de lutar e morrer pela causa está diminuindo. O suprimento de dinheiro -- tão importante, ou talvez mais importante -- o suprimento de dinheiro para esta atividade está diminuindo. Os fanáticos ricos que estavam antes financiando esse tipo de atividade estão agora menos generosos.

O que isso significa para nós no mundo ocidental? Significa que podemos abrir nossas champagnes, lavar as mãos, despreocupar, dormir bem? Não. Despreocupar não é uma opção, porque se deixar a jihad local sobreviver, ela se torna jihad internacional.

 Hoje há muitas e diferentes jihads violentas em todo o mundo. Na Somália, em Mali, na Nigéria, no Iraque, no Afeganistão, Paquistão, há grupos que reivindicam serem os herdeiros do legado de Osama Bin Laden. Eles usam seu discurso. Eles até usam o nome da marca que ele criou para sua jihad. Então existe agora umaAal Qaeda no Maghreb islâmico,existe uma Al Qaeda na Península Árabe, existe uma Al Qaeda na Mesopotâmia. Há outros grupos -- na Nigéria, Boko Haram, na Somália, Al Shabaab -- e todos eles prestam homenagem a Osama Bin Laden. Mas se você olhar de perto, eles não lutam uma jihad global. Eles estão lutando batalhas em questões muito menores. Geralmente, tem a ver com etnia ou raça ou sectarismo, ou é uma luta por poder. Na maioria das vezes, é uma luta por poder em uma país ou mesmo uma pequena região dentro de um país.Ocasionalmente, eles atravessam fronteiras, do Iraque para Síria, de Mali para Argélia, da Somália para Quênia, mas eles não lutam uma jihad global contra algum inimigo distante.

Mas isso não significa que podemos relaxar. Estava no Iêmen recentemente, onde é a casa da última franquia Al Qaeda que ainda aspira atacar os Estados Unidos, atacar o mundo ocidental. É a velha escola da Al Qaeda. Você deve lembrar desses caras. Eles são os que tentaram enviar um homem-bomba para cá, e eles estavam usando a Internet para tentar e instigar a violência entre muçulmanos americanos. Mas eles foram confundidos recentemente. Ano passado, eles tomaram o controle de uma porção sulina do Iêmen, e a administraram ao estilo do Taliban. E então os militares do Iêmen se recompuseram, e pessoas comuns se levantaram contra esses caras e os expulsaram, e desde então a maioria de suas atividades, a maioria de seus ataques estão sendo dirigidos ao povo do Iêmen.

Então eu penso que chegamos ao ponto agora onde podemos dizer que, assim como toda política, toda jihad é local. Mas que ainda não é razão para nos despreocuparmos, porque já vimos esse filme antes no Afeganistão. Quando aqueles mujahideen derrotaram a União Soviética, nós nos despreocupamos. E mesmo antes de terminar o barulho de abrir a champagne, o Talibã havia tomado Kabul, e dissemos, "Jihad local, não é nosso problema." E então o Talibã deu as chaves de Kandabar para Osama bin Laden. Ele tornou isso nosso problema. Jihad local, se você a ignora, torna-se jihad global novamente.

A boa notícia é que isso não precisa que acontecer. Sabemos como combatê-la agora. Temos as ferramentas. Temos o conhecimento e podemos pegar as lições que aprendemos da luta contra a jihad global, da vitória contra a jihad global, e aplicá-las à jihad local.
Quais são essas lições? Sabemos quem matou bin Laden: Equipe 6 da SEAL (equipe de operações especial da marinha dos EUA) Nós sabemos, compreendemos quem matou o bin Ladenismo? Quem pôs fim à jihad global? Aí estão as respostas para resolver a jihad local.

Quem matou o bin Ladenismo? Começou pelo próprio bin Laden. Ele provavelmente pensou que o 11 de setembro fora uma grande conquista. Na verdade, foi o começo de seu fim. Ele matou 3 mil pessoas inocentes e isso encheu o mundo muçulmano de horror e repulsa, e isso significou que sua ideia de jihadjamais poderia ser a corrente principal. Ele se condenou a operar na marginalidade de sua própria comunidade. 11 de setembro não lhe deu poder, mas o amaldiçoou.

Quem matou o bin Ladenismo? Abu Musab al-Zarqawi o matou. Ele era o sádico chefe da al Qaeda no Iraque que enviou centenas de homens-bomba suicidas atacar não os americanos, mas os iraquianos. Muçulmanos, sunitas e também xiitas. Qualquer reivindicação de que al Qaeda estivesse protegendo o Islam dos cruzados ocidentais afundou no sangue dos muçulmanos iraquianos.

Quem matou Osama Bin Laden? A equipe 6 da SEAL. Quem matou Bin Ladenismo? Al Jazeera matou, Al Jazeera e meia dúzia de outras estações (via satélite) de notícias em árabe, porque eles ultrapassaram as velhas e governamentais estações de TV em muitos países que eram projetadas para esconder informação do povo. Al Jazeera trouxe informação para eles, mostrou a eles que o que estava sendo dito e feito em nome de sua religião, expôs a hipocrisia de Osama Bin Laden e Al Qaeda, e permitiu a eles, deram-lhes a informação que permitiu a eles tirarem suas próprias conclusões.
Quem matou o bin Ladenismo? A Primavera Árabe matou, porque mostrou um caminho para os jovens muçulmanos de trazer mudança numa maneira que Osama Bin Laden, com sua imaginação limitada, jamais poderia conceber.

Quem derrotou a jihad global? As forças militares norte-americanas derrotaram, os soldados americanos, seus aliados, lutando em campos de batalha distantes. E talvez, chegará a hora em que eles terão o justo crédito por isso.

Então todos esses fatores, e muitos outros, que alguns deles sequer compreendemos completamente,se juntaram para derrotar uma monstruosidade tão grande quanto o bin Ladenismo, a jihad global, exigiu esse esforço de grupo.

Agora, nem todas essas coisas funcionarão na jihad local. As forças militares norte-americanas não marcharão na Nigéria para pegar grupo Boko Haram, e é improvável que a Equipe 6 da SEAL irá invadiras casas de líderes do Shabaab para pegá-los.

Mas muitos desses outros fatores que estavam em jogo são agora mais fortes que antes. Metade do trabalho já foi feito. Não temos que re-inventar a roda. A noção de jihad violenta onde mais muçulmanos são mortos mais que qualquer outro povo já está totalmente desacreditada. Não precisamos voltar nisso. Tv via satélite e Internet estão informando e dando poder a jovens muçulmanos de forma nova e estimuladora. E a Primavera Árabe produziu governos, muitos deles governos islâmicos, que sabem que, para sua própria continuidade, precisam pegar os extremistas em seu meio. Não precisamos os persuadir, mas precisamos realmente ajudá-los porque eles não estiveram nessa situação antes.

A boa notícia, novamente, é que muitas coisas que eles precisam nós temos, e somos bons em dar:assistência econômica, não apenas dinheiro, mas perícia, tecnologia, conhecimento prático,investimento privado, termos justos de comércio, medicina, educação, suporte técnico para treinamentopara suas forças policiais tornarem-se mais efetivas, para suas forças anti-terroristas tornarem-se mais eficientes. Nós temos muitas dessas coisas.

Algumas das outras coisas de que precisam não somos muito bons em dar. Talvez ninguém seja.Tempo, paciência, sutileza, compreensão -- essas são difíceis de dar. Eu moro em Nova York agora. Nesta semana, posters foram fixados nas estações de metrô de Nova York descrevendo jihad como selvagem.

Mas em todos os muitos anos que cobri o Oriente Médio, nunca fui tão otimista como sou hoje que a diferença entre o mundo muçulmano e o ocidente está diminuindo rapidamente, e uma das muitas razões para meu otimismo é porque sei que existem milhões, centenas de milhões de pessoas, muçulmanos como o velho sacerdote em Tunis, que estão recuperando essa palavra e restaurando seu belo propósito original. Bin Laden está morto. Bin Ladenismo foi derrotado. Sua definição de jihad pode ser apagada agora. Para essa jihad, podemos dizer "Adeus. Boa viagem." Para a verdadeira jihad, podemos dizer "Bem-vinda de volta. Boa sorte." 

Obrigado. 


Translated by Weber Martins  
Reviewed by Rafael Porteza

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