A magia fascina a imaginação pela aura
de mistério que a envolve. No encontro com a racionalidade ocidental, os
poderes mágicos aparecem como inquietantes e obscuros. Desde seu inicio, no
final do século passado, a antropologia procurou desenvolver os mistérios da
magia.
[Paula
Montero]
Arlindo Nascimento Rocha[1]
A magia é uma das expressões da
autoconfiança do homem diante do desconhecido, pois, foi durante muitos séculos
uma forma do homem se posicionar no mundo com alguma segurança face às
adversidades que a natureza lhe impunha.
De acordo com o sociólogo e
antropólogo francês Marcel Mauss (1872-1950), há muito a magia é objeto de
especulações. Quem corrobora essa ideia é Paula Montero em sua obra Magia e pensamento Mágico, onde ela
acompanha o debate antropológico em torno da natureza do pensamento mágico.
Segundo Montero (1990), muito já se
escreveu sobre magia, pois, esse tema inquieta o pensamento antropológico. Sua
racionalidade, ora afirmada, ora questionada. A antropologia tem colocado
inúmeras questões, começando pela questão da crença, que se traduz na seguinte
questão: Por que as pessoas acreditam na
magia? A essa questão, muitas respostas já foram dadas.
Ainda segundo Montero, a antropologia clássica
descreve a magia como uma tentativa ilusória e falsa, de intervir na ordem do
mundo, e cita alguns antropólogos como James Frazer e Lévy-Bruhl, cujo seus
pensamentos nos ajudam a entender determinados preconceitos ainda enraizados no
nosso pensamento atual.
Assim para James Frazer (1854-1941), antropólogo
dos primeiros estágios dos estudos modernos de mitologia e religião comparada,
afirma em sua obra O ramo de ouro (1978), que a magia não passa de uma falsa
ciência. Disso deriva uma avaliação negativa. Segundo ele: “a magia é um
sistema espúrio de lei, bem como um guia engenhoso de comportamento: é tanto
uma falsa ciência quanto uma obra abortada”. (FRAZER, 1982, p. 34 apud MASSENZIO, 2005, p. 59).
Na obra Introdução ao estudo comparado das religiões, de Aldo Natale Terrim, publicado no Brasil em 2003,
encontramos mais uma vez, a visão
negativa de Frazer em relação à magia. Segundo Terrim, (2003, p. 60), “para
Frazer, magia seria a coerção direta das forças naturais por parte do homem
[...] A atitude é mágica ditada pela vontade de obter exigindo e obrigando” [...] Nessa perspectiva a magia acaba por ser
reconhecida por aquilo que não é, e não pelo que é.
Segundo Mauss (2003), em Frazer, a
magia é uma espécie de ciência antes da ciência. Para ele as práticas mágicas
produzem efeitos através das leis de simpatia, similaridade e contiguidade, ou
seja:
O semelhante
produz o semelhante, as coisas que estiveram em contato, mas já não estão mais,
continuam a agir umas sobre as outras como se o contato persistisse, a parte
está para o todo assim como imagem para a coisa representada. (MAUSS, 2003, p.
50).
Ainda segundo Mauss, essa definição
tende a absorver a magia na magia simpática, que para Frazer, é uma
caraterística necessária e suficiente da magia, assim, todos os ritos mágicos
são simpáticos e todos os ritos simpáticos são mágicos. Portanto,
A magia
assim entendida torna-se a forma primeira do pensamento humano. Ele teria
existido em um estado puro e, na origem, o homem teria sabido pensar se não em
termos mágicos [...] Ela é a primeira etapa da evolução mental que pudemos
supor ou constatar. A religião resultou dos fracassos e dos erros da magia. (MAUSS,
2003, p. 50).
Apesar das fortes críticas a
pensamento mágico, Terrim (2003, p. 59), o considera como “um dos nomes mais
conhecidos no campo etnólogo por sua imensa obra O ramo de ouro; uma coleção muito ampla de material etnológico e
religioso da qual colheram material, por exemplo, a escola sociológica francesa”.
Mauss (2003, p. 59) também afirma que ”a teoria de Frazer, tal como exposta na
segunda edição do seu O ramo de ouro, é,
para nós, a expressão mais clara de toda uma tradição para qual contribuíram,
além de Tylor, sir Alfred Lyall, Jevons, Lang e também Oldenberg”.
Outro antropólogo que abordou essa
questão foi Edward Tylor (1832-1917), em sua obra Primitive culture (1871), onde o tema magia aprece duas vezes.
Segundo Mauss (2003, p. 49), ele associa primeiro a demonologia mágica ao
animismo primitivo e em seu segundo volume é o primeiro a falar da magia
simpática, isto é, de ritos mágicos que procedem, segundo as leis ditas de
simpatia, ou seja:
Do mesmo ao
mesmo, do próximo ao próximo da imagem à coisa, da parte ao todo; mas isso é,
sobretudo, para mostrar que, em nossas sociedades, ela faz parte do
sistema das sobrevivências. Tylor só dá uma explicação de magia na medida em
que o animismo constitui uma explicação. (MAUSS, 2003, p. 49).
Portanto, a magia para Tylor
representava uma forma primitiva de crença, ou seja, o animismo, na qual os
objetos presentes na natureza eram pensados como possuindo espíritos que
exerciam poderes supraempíricos. Assim, Tylor define o animismo como sendo a
crença em seres espirituais e afirma que todas as religiões, desde as mais
simples as mais complexas possuem alguma forma de animismo. Ele afirma que a
filosofia animista é uma tentativa as causas dos sonhos, da vida e da morte.
Por isso, ele defende que as primeiras religiões surgiram de um erro, pois, os
povos primitivos confundiam sonhos com experiências reais.
De acordo com Montero (1990), se a
crença na magia parecia absurda para esses antropólogos, e atualmente não é
diferente, pois, para muitos é preciso encontrar uma explicação para tal
disparate. Ainda segundo ela os primeiros a deixar de lado a primeira pergunta,
por que as pessoas acreditam na magia,
foram Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo, antropólogo e cientista político e
Marcel Mauss (1872-1950), sociólogo e antropólogo, ambos franceses. “para eles
a questão fundamental deixava de ser ‘por que as pessoas creem’?, e se tornava
‘qual o sentido da crença”? (MONTERO. 1990, p. 6).
De acordo com Terrim (2003, p. 62), Émile
Durkheim foi “o fundador da escola sociológica francesa e certamente o autor
que mais que qualquer outro influenciou e continua a influenciando a sociologia
da religião”. Sua obra segundo o mesmo autor tem um fundo etnológico e faz
referência a conceito de totemismo, como religião dos primeiros povos.
Para esse sociólogo a magia possuía um
caráter utilitário. Com Durkheim os fenômenos sociais começam a ser objetos de
investigação sócio-antropológica. Marcel Mauss, sobrinho e discípulo de Durkheim,
também deu uma grande contribuição ao estudo da magia. Realizou estudos
originais sobre o sacrifício e sobre a magia. Mauss entende que a magia é um
fenômeno social, por isso não há uma definição clara. Provavelmente ela
alimentou a ciência.
A partir desses dois autores, segundo Montero:
A magia
passa a ser compreendida como um sistema simbólico. E, quando se fala de
símbolos, está-se falando em elementos (ideias, objetos, gestos) que
representam por uma lógica implícita que cabe ao antropólogo descobrir, noções
vitais para a organização social. (MONTERO, 1990, p. 6).
A partir desse contexto se começa a
questionar a questão da eficácia da magia. Em seu livro Da Doença a Desordem a Magia na Umbanda, publicado em (1985), Montero
afirma que a magia constitui-se num sistema simbólico que produz um conhecimento sobre
o mundo, isto e, lhe atribui significados. Através dessa
rede de sentidos é possível pensar o mundo e certas práticas sociais.
Relativamente a esse assunto o
antropólogo Lévi-Strauss (1908-2009), afirma em seu livro Antropologia Estrutural (Cap, IX) – O feiticeiro e sua magia: que:
Não há,
pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Mas, vê-se, ao
mesmo termo, que a ciência da magia implica a crença na magia, e que esta se
apresenta sob três aspetos complementares: existe inicialmente a crença do
feiticeiro na eficácia de suas técnicas; em seguida, a crença do doente que ele
cura, ou da vítima que ele persegue, no poder do próprio feiticeiro; finalmente
a confiança e as exigências da opinião coletiva, que formam à cada instante uma
espécie de campo de gravitação no seio do qual se definem e situam as relações
entre feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça. (LEVY-STRASS, 1967, PP. 194, 195).
Segundo Montero, a magia realmente deve
ter alguma eficácia já que se mostra tão perene, tendo em conta os avanços
tecnológicos em nossas sociedades que, segundo muitos estudiosos, poria fim a
esse tipo de pensamento. Mas apesar de
tudo a magia conseguiu acompanhar o desenvolvimento tecnológico e industrial
das cidades e manter-se viva. Por isso, consideramos que a magia está cada vez
mais presente disputando terreno com outras formas de conhecimento, e, seu
proclamado desaparecimento sendo adiado indefinidamente.
Referências
LÉVI-STRAUSS, Claud, Antropologia estrutural. - 4ª edição. - Rio de Janeiro. Edições Tempo Brasileiro Ltda., 1967.
MASSENZIO, Marcello. A história das religiões na cultura moderna. 1ª ed. – São Paulo,
Hedra, 2005.
MAUSS,
Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução
Paulo Neves. - São Paulo: Cosac Nayfi, 2003.
MONTERO
Paula. Desordem a Magia na Umbanda.
1ª edição. – EDIÇÕES GRAAL LTDA. 1985.
_________. Magia e pensamento mágico. - 2ª
edição. Editora ática, 1990.
TERRIM,
Aldo Natale. Introdução ao estudo
comparado das religiões. São Paulo: Paulinas, 2003 (Coleção, religião e
cultura).
[1] Doutorando e Mestre em Ciência da
Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso)
em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na
Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência
na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino
Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.
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