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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Reflexões sobre magia e pensamento mágico

  
A magia fascina a imaginação pela aura de mistério que a envolve. No encontro com a racionalidade ocidental, os poderes mágicos aparecem como inquietantes e obscuros. Desde seu inicio, no final do século passado, a antropologia procurou desenvolver os mistérios da magia.
[Paula Montero]


Arlindo Nascimento Rocha[1]


A magia é uma das expressões da autoconfiança do homem diante do desconhecido, pois, foi durante muitos séculos uma forma do homem se posicionar no mundo com alguma segurança face às adversidades que a natureza lhe impunha.   

De acordo com o sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss (1872-1950), há muito a magia é objeto de especulações. Quem corrobora essa ideia é Paula Montero em sua obra Magia e pensamento Mágico, onde ela acompanha o debate antropológico em torno da natureza do pensamento mágico.

Segundo Montero (1990), muito já se escreveu sobre magia, pois, esse tema inquieta o pensamento antropológico. Sua racionalidade, ora afirmada, ora questionada. A antropologia tem colocado inúmeras questões, começando pela questão da crença, que se traduz na seguinte questão: Por que as pessoas acreditam na magia? A essa questão, muitas respostas já foram dadas.

Ainda segundo Montero, a antropologia clássica descreve a magia como uma tentativa ilusória e falsa, de intervir na ordem do mundo, e cita alguns antropólogos como James Frazer e Lévy-Bruhl, cujo seus pensamentos nos ajudam a entender determinados preconceitos ainda enraizados no nosso pensamento atual.  

Assim para James Frazer (1854-1941), antropólogo dos primeiros estágios dos estudos modernos de mitologia e religião comparada, afirma em sua obra O ramo de ouro (1978), que a magia não passa de uma falsa ciência. Disso deriva uma avaliação negativa. Segundo ele: “a magia é um sistema espúrio de lei, bem como um guia engenhoso de comportamento: é tanto uma falsa ciência quanto uma obra abortada”. (FRAZER, 1982, p. 34 apud MASSENZIO, 2005, p. 59).

Na obra Introdução ao estudo comparado das religiões, de Aldo Natale Terrim, publicado no Brasil em 2003, encontramos mais uma vez, a visão negativa de Frazer em relação à magia. Segundo Terrim, (2003, p. 60), “para Frazer, magia seria a coerção direta das forças naturais por parte do homem [...] A atitude é mágica ditada pela vontade de obter exigindo e obrigando” [...] Nessa perspectiva a magia acaba por ser reconhecida por aquilo que não é, e não pelo que é.

Segundo Mauss (2003), em Frazer, a magia é uma espécie de ciência antes da ciência. Para ele as práticas mágicas produzem efeitos através das leis de simpatia, similaridade e contiguidade, ou seja:

O semelhante produz o semelhante, as coisas que estiveram em contato, mas já não estão mais, continuam a agir umas sobre as outras como se o contato persistisse, a parte está para o todo assim como imagem para a coisa representada. (MAUSS, 2003, p. 50).   

Ainda segundo Mauss, essa definição tende a absorver a magia na magia simpática, que para Frazer, é uma caraterística necessária e suficiente da magia, assim, todos os ritos mágicos são simpáticos e todos os ritos simpáticos são mágicos. Portanto,

A magia assim entendida torna-se a forma primeira do pensamento humano. Ele teria existido em um estado puro e, na origem, o homem teria sabido pensar se não em termos mágicos [...] Ela é a primeira etapa da evolução mental que pudemos supor ou constatar. A religião resultou dos fracassos e dos erros da magia. (MAUSS, 2003, p. 50).

Apesar das fortes críticas a pensamento mágico, Terrim (2003, p. 59), o considera como “um dos nomes mais conhecidos no campo etnólogo por sua imensa obra O ramo de ouro; uma coleção muito ampla de material etnológico e religioso da qual colheram material, por exemplo, a escola sociológica francesa”. Mauss (2003, p. 59) também afirma que ”a teoria de Frazer, tal como exposta na segunda edição do seu O ramo de ouro, é, para nós, a expressão mais clara de toda uma tradição para qual contribuíram, além de Tylor, sir Alfred Lyall, Jevons, Lang e também Oldenberg”.  

Outro antropólogo que abordou essa questão foi Edward Tylor (1832-1917), em sua obra Primitive culture (1871), onde o tema magia aprece duas vezes. Segundo Mauss (2003, p. 49), ele associa primeiro a demonologia mágica ao animismo primitivo e em seu segundo volume é o primeiro a falar da magia simpática, isto é, de ritos mágicos que procedem, segundo as leis ditas de simpatia, ou seja:

Do mesmo ao mesmo, do próximo ao próximo da imagem à coisa, da parte ao todo; mas isso é, sobretudo, para mostrar que, em nossas sociedades, ela faz parte do sistema das sobrevivências. Tylor só dá uma explicação de magia na medida em que o animismo constitui uma explicação. (MAUSS, 2003, p. 49). 
     
Portanto, a magia para Tylor representava uma forma primitiva de crença, ou seja, o animismo, na qual os objetos presentes na natureza eram pensados como possuindo espíritos que exerciam poderes supraempíricos. Assim, Tylor define o animismo como sendo a crença em seres espirituais e afirma que todas as religiões, desde as mais simples as mais complexas possuem alguma forma de animismo. Ele afirma que a filosofia animista é uma tentativa as causas dos sonhos, da vida e da morte. Por isso, ele defende que as primeiras religiões surgiram de um erro, pois, os povos primitivos confundiam sonhos com experiências reais.    

De acordo com Montero (1990), se a crença na magia parecia absurda para esses antropólogos, e atualmente não é diferente, pois, para muitos é preciso encontrar uma explicação para tal disparate. Ainda segundo ela os primeiros a deixar de lado a primeira pergunta, por que as pessoas acreditam na magia, foram Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo, antropólogo e cientista político e Marcel Mauss (1872-1950), sociólogo e antropólogo, ambos franceses. “para eles a questão fundamental deixava de ser ‘por que as pessoas creem’?, e se tornava ‘qual o sentido da crença”? (MONTERO. 1990, p. 6).

De acordo com Terrim (2003, p. 62), Émile Durkheim foi “o fundador da escola sociológica francesa e certamente o autor que mais que qualquer outro influenciou e continua a influenciando a sociologia da religião”. Sua obra segundo o mesmo autor tem um fundo etnológico e faz referência a conceito de totemismo, como religião dos primeiros povos.

Para esse sociólogo a magia possuía um caráter utilitário. Com Durkheim os fenômenos sociais começam a ser objetos de investigação sócio-antropológica. Marcel Mauss, sobrinho e discípulo de Durkheim, também deu uma grande contribuição ao estudo da magia. Realizou estudos originais sobre o sacrifício e sobre a magia. Mauss entende que a magia é um fenômeno social, por isso não há uma definição clara. Provavelmente ela alimentou a ciência.    

 A partir desses dois autores, segundo Montero: 

A magia passa a ser compreendida como um sistema simbólico. E, quando se fala de símbolos, está-se falando em elementos (ideias, objetos, gestos) que representam por uma lógica implícita que cabe ao antropólogo descobrir, noções vitais para a organização social. (MONTERO, 1990, p. 6).  

A partir desse contexto se começa a questionar a questão da eficácia da magia. Em seu livro Da Doença a Desordem a Magia na Umbanda, publicado em (1985), Montero afirma que a magia constitui-se num sistema simbólico que produz um conhecimento sobre o mundo, isto e, lhe atribui significados. Através dessa rede de sentidos é possível pensar o mundo e certas práticas sociais.

Relativamente a esse assunto o antropólogo Lévi-Strauss (1908-2009), afirma em seu livro Antropologia Estrutural (Cap, IX) – O feiticeiro e sua magia: que:

Não há, pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Mas, vê-se, ao mesmo termo, que a ciência da magia implica a crença na magia, e que esta se apresenta sob três aspetos complementares: existe inicialmente a crença do feiticeiro na eficácia de suas técnicas; em seguida, a crença do doente que ele cura, ou da vítima que ele persegue, no poder do próprio feiticeiro; finalmente a confiança e as exigências da opinião coletiva, que formam à cada instante uma espécie de campo de gravitação no seio do qual se definem e situam as relações entre feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça. (LEVY-STRASS, 1967, PP. 194, 195).

Segundo Montero, a magia realmente deve ter alguma eficácia já que se mostra tão perene, tendo em conta os avanços tecnológicos em nossas sociedades que, segundo muitos estudiosos, poria fim a esse tipo de pensamento.  Mas apesar de tudo a magia conseguiu acompanhar o desenvolvimento tecnológico e industrial das cidades e manter-se viva. Por isso, consideramos que a magia está cada vez mais presente disputando terreno com outras formas de conhecimento, e, seu proclamado desaparecimento sendo adiado indefinidamente.  


Referências

LÉVI-STRAUSS, Claud, Antropologia estrutural. - 4ª edição. - Rio de Janeiro. Edições Tempo Brasileiro Ltda., 1967.

MASSENZIO, Marcello. A história das religiões na cultura moderna. 1ª ed. – São Paulo, Hedra, 2005.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução Paulo Neves. - São Paulo: Cosac Nayfi, 2003.

MONTERO Paula. Desordem a Magia na Umbanda. 1ª edição. – EDIÇÕES GRAAL LTDA. 1985.

_________. Magia e pensamento mágico. - 2ª edição. Editora ática, 1990.

TERRIM, Aldo Natale. Introdução ao estudo comparado das religiões. São Paulo: Paulinas, 2003 (Coleção, religião e cultura).




[1] Doutorando e Mestre em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso) em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.

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