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sexta-feira, 18 de agosto de 2017

As diversas formas de entender a palavra “religião”



A vida é agora um cardápio variadíssimo com um conjunto infinito de opções. Seja um passatempo, lugares para as férias, um estilo de vida, uma visão de mundo ou uma religião, há sempre alguma coisa para as pessoas... Simplificando, alcançamos um estágio de pluralização no qual a escolha não é só um estado de coisas, mas um estado de espírito... A mudança torna-se a própria essência da vida.
[RAEPPER, William, 2001, p. 187]



Por: Arlindo Nascimento Rocha[1]

No início do capítulo I do livro de Hans-Jurgen Greschat, O que é Ciência da Religião?, traduzido pelo professor Frank Usarski e publicado no Brasil em 2005, encontramos nas primeiras linhas um aviso para quem quiser aventurar-se na tentativa de definir ou encontrar um definição clara, objetiva e universal para o termo ‘religião’. Segundo Greschat (2005, p. 17), “a palavra ‘religião’ é como um labirinto. Perder-se-á nele quem não trouxer um fio na mão para se orientar. Logo após a entrada, encontramos ambiguidades. O uso da palavra religião é corriqueiro, mas parece que somente especialistas conhecem o termo”. Para os especialistas segundo Pondé (2016, p. 64), “as religiões são tentativas mais ou menos organizadas de modo prático, e não apenas teórico, de dar sentido à vida”.   

Na tentativa de definir qualquer termo, inicialmente a preocupação é com a origem do mesmo. No caso do termo ‘religião’, sua origem parece estar na pré-história, como tudo o que é humano. Contudo, para esse termo tão antigo quanto o homem, não é possível encontrar uma definição que satisfaça a todos, pois, segundo Klauss Hock:  

Um dos problemas na definição do termo ‘religião’ reside no fato de que o próprio termo nasceu num contexto cultural e histórico muito específico – num primeiro momento, pertence à história intelectual do ocidente. O mais tardar quando tentamos aplicar o termo religião, como termo universal, a fenômenos em outros contextos históricos e culturais, surge dificuldades inesperadas. (HOCK, 2010, p. 17).   
  
Porém, muitos especialistas, como o antropólogo Clifford Geertz (1926-2006), o filósofo e cientista das religiões, Mircea Eliade (1907-1986) e o sociólogo Max Weber (1864-1920), concordam segundo Pondé (2010, p. 113), que as religiões são sistemas de sentido que associam crenças em narrativas cósmicas (quem criou e como) a práticas concretas cotidianas (ritos, rituais, liturgias, danças, celebrações, jejuns, peregrinações a locais santos, etc.), com força normativa e moral (isto é, dizem o que é certo e o que é errado e as consequências de agirmos certo ou errado segundo a vontade desses seres divinos). 

No artigo Definindo religião, a despeito da história, de Hanegraaff, traduzido para português por Fábio L. Stern (doutorando em Ciência da Religião), fica claro que a maioria das tentativas de definir religião foram feitos por estudiosos olhando para o registro histórico, por um olhar teórico e sistematizador. Não fugiremos a essa regra, pois, nosso objetivo é apresentar de forma sistematizada algumas definições do termo “religião”, que foram apresentados por filósofos, sociólogos, antropólogos e historiadores.  

A nossa primeira definição foi dada pelo filósofo italiano, Nicola Abbagnano (1901-1990), descrita no seu Dicionário de Filosofia (2007), onde ele faz um registro histórico apresentado por vários pensadores. Porém, apresentaremos de forma sucinta como ele define o conceito. Segundo ele, religião é:

Crença na garantia sobrenatural de salvação, e técnicas destinadas a obter e conservar essa garantia. A garantia religiosa é sobrenatural, no sentido de situar-se além dos limites abarcados pelos poderes do homem, de gerir ou poder agir onde tais poderes são impotentes e de ter um modo de ação misterioso e imperscrutável. A origem sobrenatural da garantia não implica necessariamente que ela seja oferecida por uma divindade e que, portanto, a relação com a divindade seja necessária. [...] (ABBAGNANO, 2007, p. 997).     

A segunda definição chega até nós através do artigo de Hanegraaff, onde ele apresenta a definição dada pelo sociólogo e antropólogo Émile Durkheim (1858-1917), que define o conceito de religião em termos de Igreja. Assim para Durkheim:

Uma religião é um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, as coisas separadas e proibidas – crenças e práticas que unem em uma única comunidade moral, chamada de Igreja, todos aqueles que aderirem a ela. (DURKHEIM, 1912, p. 65 apud HANEGRAAFF, 1999, p.6).

Uma segunda definição do termo religião foi apresentada pelo antropólogo Clifford Geertz (1926-2006). Ele é um dos mais originais e estimulantes antropólogos de sua geração e o mais destacado proponente do movimento intelectual para revigorar o estudo da cultura como sistema simbólico. Em sua obra A interpretação das culturas (2014), Geertz afirma que a religião é:

(1) Um sistema de símbolos que atua para (2) estabelece poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções como tal aura de factualidade que (5) as disposições e motivações parecem singulares e realistas. (GEERTZ, 2014, p. 67). 
 
Outra definição nos chega mais uma vez, através do artigo de Hanegraaff, já citado anteriormente. Desta feita, ela apresenta a definição de John Milton Yinger (1916-2011), que explica a natureza da religião diminuindo a perspectiva do crente como irrelevante. Segundo Hanegraaff, Yinger apresenta a religião como uma tentativa de negar a tragédia da condição humana. Assim, segundo ele:

A religião, então, pode ser definida como um sistema de crenças e práticas por meio do qual um grupo de pessoas luta com estes problemas fundamentais da vida humana. Expressam sua recusa de capitular diante da morte, e desistem frente a frustração, de permitirem a hostilidade ao que destroça suas associações humanas. A qualidade de ser religioso, a partir do ponto de vista individual, implica em duas coisas: em primeiro lugar, a crença de que o mal, a dor, a confusão e a injustiça são fatos fundamentais da existência; e, por outo, um conjunto de práticas e crenças santificadas correlatas, que exprimem a convicção de que o ser humano pode finalmente ser salvo de tais fatos. (YINGER, 1970, p. 7 apud HANEGRAAFF, 1999, p. 11).

  A penúltima definição dos é apresentada Jean Platvoet, que segundo Hanegraaff, permite a possibilidade de uma religião não personalista. Segundo Platvoet:

Religiões consistem em noções, atitude e emoções, comportamentos e organização social no que diz respeito aos seres e/ou realidade [grifo do tradutor], cuja existência e atividade não podem ser verificadas nem falsificadas [por meios empíricos], mas que os fiéis acreditam existir e estar ativas em suas vidas e/ou determinar seu destino futuro. (PLATVOET, 1990, p. 196 apud HANEGRAAFF, 1999, p. 12).

Uma última definição é nos apresentada por Yves Lambert em soa obra O Nascimento Das Religiões - da Pré-história Às Religiões Universalistas. Nessa obra seu objetivo foi explicar o surgimento e a evolução das religiões desde os primórdios da humanidade até a Idade Moderna. Segundo ele, quando os autores passam de uma definição de religioso à de religião, em geral acrescentam dois outros critérios: a existência de meios simbólicos de ação, em particular os ritos, e de formas de organização social. A partir daí, ele acredita que se pode definir a religião como sendo:

Uma organização que supões, no fundamento da realidade empírica, uma realidade supraempírica (Deuses, deuses, espíritos, alma...) com a qual é possível comunicar por meios simbólicos (preces, ritos, meditações etc.), de modo a procurar um domínio e uma realização que ultrapassam os limites da realidade objetiva. (LAMBERT, 2011, p. 29).

Pelas várias definições aqui apresentadas, depreende-se como afirma Hock (2010, pp. 29, 30), o termo religião permanece consistentemente aberto [...], pois, ela é uma realidade social que ganha forma através de atos sociais. Pois bem, se a sociedade é dinâmica e dialética, as definições seguem as mudanças e as rupturas sociais, e a religião como um fato social não escapa dessas flutuações sociais e conceituais.  


Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. - 5ª edição. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. – 1ª edição. – [Reimp.]. – Rio de Janeiro: LTC, 2014. 

GRESCHAT, Hans-Jurgen. O que é Ciência da Religião?  Tradução: Frank Usarski. – São Paulo: Paulinas, 2005. – (Coleção repensando a religião).

HANEGRAAFF, Wouter J. Defining religion in spite of History. In: PLATVOET, Jan G. (Org.): MOLENDIJK, Arie L. (Org.).The pragmatics of defining religion: contexts, concepts and contests. Leiden: Brill,1999, p. 337-378

HOCK, Klauss.  Introdução à Ciência da Religião. Tradução: Monika Otterman. Edições Loyola. - São Paulo, Brasil, 2010.

LAMBERT, Yves. O Nascimento Das Religiões - da Pré-história Às Religiões Universalistas. Tradução: Mariana Paolozzi Sérvulo da Cunha. Edições Loyola. - São Paulo, Brasil, 2011.   

PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor: ensaios de afeto. – São Paulo: Leya, 2010.

________. Filosofia para corajosos. 1ª ed. – São Paulo: Planeta, 2016.  





[1] Doutorando e Mestre em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso) em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.

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