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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Como (não) falar de Deus: marcas da igreja emergente

[Texto copiado a partir de uma postagem no Facebook de Paulo Outeiro, publicado em 14/02/2020]


"Dizem que o diabo costumava andar tarde da noite por diferentes partes do mundo com seus amigos. Certa vez, durante um desses passeios à meia-noite, um demônio que estava andando com ele por acaso viu uma jovem falando com jesus. O demônio se moveu inquieto, esperando que Lúcifer voasse com uma raiva terrível, mas, em vez disso, ele pareceu imperturbável. Mais tarde, o demônio criou coragem e perguntou ao diabo por que ele estava tão despreocupado com o encontro da mulher com Cristo.

'Por que eu deveria me importar?', respondeu o diabo, 'porque daqui a pouco farei uma teologia disso.

Muitos de nós começamos nossa fé com um encontro e terminamos com nada além de uma doutrina. Se pudéssemos comparar a jornada da fé ao crescimento de um indivíduo, poderíamos dizer que nos anos da infância lutamos para entender o mistério de Deus, assim como uma criança luta para entender o mistério do mundo. 

Em resposta a isso, nos voltamos para a sabedoria de nossa tradição religiosa, quando a criança se volta para a sabedoria de seus pais. Na adolescência, muitas vezes perdemos essa maravilha infantil, deixando de perceber que a sabedoria que nos foi passada não foi criada para acabar com o mistério, mas apenas para impedir que ele fosse insuportável.

Finalmente, se alguma vez entrarmos na maturidade, experimentaremos mais uma vez esse mistério pelo que ele é.

Esta história é sobre desafiar o adolescente dentro de todos nós, lembrando a nós mesmos que nossas imagens de Deus, por mais importantes que sejam, são, na melhor das hipóteses, ícones que nos permitem contemplar a misteriosa presença de Deus e, na pior das hipóteses, ídolos que tomam o lugar de Deus".

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ROLLINS, Peter: How (Not) to speak of God: Marks of the Emerging Church. - Paraclete Press, 2006

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Concepções da morte nas religiões



OLIVEIRA, Adriana Maria Ramos de. Entre idas e vindas: o pós-morte nas religiões. Revista Senso. 06 de janeiro de 2020.  

"Tendo em vista que a morte é uma questão pertinente na história da humanidade e de sua relação com o surgimento do pensamento religioso, vamos procurar entender sobre como algumas das maiores e mais difundidas religiões do mundo lidam com esse assunto. Para tal explicação serão utilizados alguns exemplos de práticas de como essas religiões abordam a morte; o sepultamento; a concepção de vida após morte e ressurreição.

O renascimento dos mortos, ou a ideia de ressurreição, que significa literalmente “levantar, erguer”, marca definitivamente uma crença acerca da vida após a morte. Esta concepção é considerada como base de uma das religiões mais disseminadas no ocidente; o cristianismo, na qual Jesus, segundo os textos bíblicos, ressuscitou pessoas e ressurgiu dos mortos. Vale lembrar que a ideia de ressurreição é diferente da de reencarnação, pois implica que a pessoa regressa à vida como a mesma, enquanto que na segunda opção, a pessoa retorna com outra vida e corpo físico. O sepultamento cristão tende ser composto por um prolongado ritual de velamento do corpo, seguido por homenagens e despedidas dos familiares e amigos. Para os cristãos a vida é eterna, se estendendo, portanto, após a morte.

No judaísmo, a morte é encarada como algo natural e não trágico, os judeus compreendem que a alma sobrevive mesmo com a morte corpórea; o ritual fúnebre deve ser simples e rápido seguindo um padrão: o caixão deve ser de madeira, forrado com um pano preto, estampando a estrela de Davi. Devem ser iguais para remeter que a morte iguala todos.

Na religião do Islã ou islamismo, os muçulmanos creem e defendem que como o nascimento, a morte também está nas mãos de Deus; seu rito fúnebre se dá pela lavagem do cadáver de três a cinco vezes, começando pelo lado direito, para devolver pureza à alma. Esta prática é feita por parentes e familiares do mesmo sexo do falecido. O corpo é perfumado com cânfora e coberto por um sudário (lençol, mortalha) branco.

Dentro do hinduísmo, é predominante a concepção de reencarnação, importante para sanar o Karma, que consiste na ideia de que a vida na terra é parte de um ciclo de nascimento, morte e renascimento, para aperfeiçoamento e evolução espiritual. Para tal efeito, a alma volta várias vezes (quantas forem necessárias) à vida até se libertar deste ciclo. Quando alguém falece, iniciam-se rituais para desprender a alma do corpo, que geralmente é cremado, para que ela encontre nova casa – um corpo humano ou de animal, de acordo com o comportamento na vida anterior – causa e efeito. O corpo do falecido é posicionado com a cabeça virada para o sul, é lavado, untado com pasta de sândalo e vestido com boas roupas.

A morte não é compreendida como um evento isolado no budismo, mas sim tida como uma mudança de ciclo, ela é uma realidade natural. Portanto os budistas encaram a morte como algo a ser aceito. Em seu ritual fúnebre o budista tem o rosto coberto com um pano branco, e incensos são acesos à sua volta.

Para as religiões afro-brasileiras, como a umbanda, por exemplo, a morte corpórea não significa o fim da vida. É tida apenas como o fim de um ciclo, ou seja, passagem encarnatória . Após a morte física do homem, segundo a crença predominante nesta tradição, este será encaminhado para uma esfera espiritual condizente com seus atos e vibração emocional acumuladas durante a passagem no corpo físico.

O funeral umbandista é dividido em partes; na primeira ocorre a purificação do corpo e do espírito, que ocorre somente com a presença do sacerdote, na segunda é feita a cerimônia social para encomenda do espírito, realizada no velório e no túmulo.

Como é notória a relação vida e morte, a crença na vida após a morte se faz presente nas mais variadas tradições religiosas, sociedades e períodos históricos da humanidade".

PARA ACESSAR O ARTIGO NA ÍNTEGRA,

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Não se pode questionar sobre Deus?



Por: Atilla K[1]


No islam a fé em Deus é abordada, ao menos hoje em dia, de uma maneira absolutista, isto é, incondicional.

A filosofia nasceu através de questionamentos sobre a essência da humanidade e de seu papel no universo. Estes questionamentos basicamente se resumem nas seguintes perguntas:
Quem eu sou?
De onde vim e para onde eu vou?
Qual é o meu papel neste mundo?
Estas perguntas foram formando também a base daquilo que comumente chamamos de religião, pois a partir daí é que surgiram os diversos teísmos e ateísmos. Enquanto alguns adotaram uma ideia de que há um divino que criou toda a natureza, e este para alguns segmentos desta ideia continua criando e controlando esta criação, outros adotaram uma ideia de que haja uma força da natureza que possivelmente resultou os seres que ao nosso redor vemos. Com base nestas diferenças é que vemos ao nosso redor teísmos e ateísmos. Enquanto para os teísmos há o ideal de criação ou manifestação de um ser supremo ou essencial, para o ideal ateísta toda a existência é resultado de uma força. Esta força pode ser a própria natureza ou pode ser o chamado Big Bang que deu início a esta existência.

Para quem acredita que há um ser supremo, sobrenatural e incompreensível aos olhos do humano, o modo de enxergar a existência é o ideal chamado criacionismo. Dentro desta perspectiva, a visão monoteísta é a que explicita, em suas próprias condições, que Deus criou todo o universo e colocou-o a serviço do ser humano. Em troca desta oferta divina, o ser humano que tem uma finitude deve obedecer às ordens de Deus que o criou. Uma das condições dessa obediência é a fé n’Ele. Isto pode se constatar quase igualmente nas três religiões abraâmicas – Judaísmo, Cristianismo e Islam. Dentre estas três religiões, irei aqui colocar mais em questão o próprio islam por ser a religião que mais conheço.

No islam a fé em Deus é abordada, ao menos hoje em dia, de uma maneira absolutista, isto é, fé incondicional. Com o desenvolvimento intelectual do ser humano, os questionamentos em relação à religião, ou às religiões, também se tornou corriqueiro. A crença em um ser invisível começou a ser questionada de uma maneira materialista. Isto, no meio religioso e teológico em geral, causou uma reação negativa acusando a ciência de incredulidade e de incompatibilidade com a religião, o que na minha ideia é ao contrário. Esta reação chegou a negligenciar a fé do outro devido os seus questionamentos em relação a fé e Deus. No mundo islâmico, ao menos no meu país de origem, Turquia, muitos se encontraram entre duas opções, ciência ou religião, pois estudar a ciência e questionar a maneira como se crê podia ser julgado como descrença e isso, como já havíamos apontado em alguns artigos, resultou nas declarações contra a religião.

Quanto ao próprio islam, a teoria é diferente do que se viu no passado e se vê hoje em dia parcialmente. Para os teólogos muçulmanos, a fé se divide em duas partes: a fé que herdamos dos antepassados e a fé que adquirimos com nosso esforço intelectual. Embora muitos teólogos afirmem que a fé herdada dos pais através da observação e da representação deles seja válida perante Deus, o ser humano precisa se esforçar a ter fé em Deus de maneira afirmativa e isto pode se adquirir apenas com dúvidas, questionamentos e pesquisas. O Alcorão em demasiados versículos condena aqueles que se negam a acreditar nos profetas dizendo que não abandonariam o que viram dos seus antepassados e põe em xeque aquilo em que criam: “…e se os seus antepassados não sabiam nada, nem eram orientados à verdade?” (Alcorão 5:104).

Toda esta reflexão que fizemos, sem dúvida alguma, é de um ponto de vista islâmico. Mas a pergunta que deve-se fazer, talvez em qualquer tipo de religiosidade ou espiritualidade, é: será que nunca pode-se questionar sobre Deus, deuses ou aquilo que manifestou toda a criação?
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KUŞ, Atilla. Não se pode questionar sobre Deus? CartaCapital. 04 de Fev. 2020.

FONTE ORIGINAL - [CLIQUE AQUI]







[1] É cientista da religião, mestrando no Programa de Estudos Pós-graduandos em Ciência da Religião na PUC, membro do Centro de Estudos das Religiões Alternativas e de Origem Oriental no Brasil-CERAL da PUC-SP, professor visitante na FFLCH-USP, professor convidado na PUC-SP e tradutor de turco, curdo e árabe.