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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Não se pode questionar sobre Deus?



Por: Atilla K[1]


No islam a fé em Deus é abordada, ao menos hoje em dia, de uma maneira absolutista, isto é, incondicional.

A filosofia nasceu através de questionamentos sobre a essência da humanidade e de seu papel no universo. Estes questionamentos basicamente se resumem nas seguintes perguntas:
Quem eu sou?
De onde vim e para onde eu vou?
Qual é o meu papel neste mundo?
Estas perguntas foram formando também a base daquilo que comumente chamamos de religião, pois a partir daí é que surgiram os diversos teísmos e ateísmos. Enquanto alguns adotaram uma ideia de que há um divino que criou toda a natureza, e este para alguns segmentos desta ideia continua criando e controlando esta criação, outros adotaram uma ideia de que haja uma força da natureza que possivelmente resultou os seres que ao nosso redor vemos. Com base nestas diferenças é que vemos ao nosso redor teísmos e ateísmos. Enquanto para os teísmos há o ideal de criação ou manifestação de um ser supremo ou essencial, para o ideal ateísta toda a existência é resultado de uma força. Esta força pode ser a própria natureza ou pode ser o chamado Big Bang que deu início a esta existência.

Para quem acredita que há um ser supremo, sobrenatural e incompreensível aos olhos do humano, o modo de enxergar a existência é o ideal chamado criacionismo. Dentro desta perspectiva, a visão monoteísta é a que explicita, em suas próprias condições, que Deus criou todo o universo e colocou-o a serviço do ser humano. Em troca desta oferta divina, o ser humano que tem uma finitude deve obedecer às ordens de Deus que o criou. Uma das condições dessa obediência é a fé n’Ele. Isto pode se constatar quase igualmente nas três religiões abraâmicas – Judaísmo, Cristianismo e Islam. Dentre estas três religiões, irei aqui colocar mais em questão o próprio islam por ser a religião que mais conheço.

No islam a fé em Deus é abordada, ao menos hoje em dia, de uma maneira absolutista, isto é, fé incondicional. Com o desenvolvimento intelectual do ser humano, os questionamentos em relação à religião, ou às religiões, também se tornou corriqueiro. A crença em um ser invisível começou a ser questionada de uma maneira materialista. Isto, no meio religioso e teológico em geral, causou uma reação negativa acusando a ciência de incredulidade e de incompatibilidade com a religião, o que na minha ideia é ao contrário. Esta reação chegou a negligenciar a fé do outro devido os seus questionamentos em relação a fé e Deus. No mundo islâmico, ao menos no meu país de origem, Turquia, muitos se encontraram entre duas opções, ciência ou religião, pois estudar a ciência e questionar a maneira como se crê podia ser julgado como descrença e isso, como já havíamos apontado em alguns artigos, resultou nas declarações contra a religião.

Quanto ao próprio islam, a teoria é diferente do que se viu no passado e se vê hoje em dia parcialmente. Para os teólogos muçulmanos, a fé se divide em duas partes: a fé que herdamos dos antepassados e a fé que adquirimos com nosso esforço intelectual. Embora muitos teólogos afirmem que a fé herdada dos pais através da observação e da representação deles seja válida perante Deus, o ser humano precisa se esforçar a ter fé em Deus de maneira afirmativa e isto pode se adquirir apenas com dúvidas, questionamentos e pesquisas. O Alcorão em demasiados versículos condena aqueles que se negam a acreditar nos profetas dizendo que não abandonariam o que viram dos seus antepassados e põe em xeque aquilo em que criam: “…e se os seus antepassados não sabiam nada, nem eram orientados à verdade?” (Alcorão 5:104).

Toda esta reflexão que fizemos, sem dúvida alguma, é de um ponto de vista islâmico. Mas a pergunta que deve-se fazer, talvez em qualquer tipo de religiosidade ou espiritualidade, é: será que nunca pode-se questionar sobre Deus, deuses ou aquilo que manifestou toda a criação?
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KUŞ, Atilla. Não se pode questionar sobre Deus? CartaCapital. 04 de Fev. 2020.

FONTE ORIGINAL - [CLIQUE AQUI]







[1] É cientista da religião, mestrando no Programa de Estudos Pós-graduandos em Ciência da Religião na PUC, membro do Centro de Estudos das Religiões Alternativas e de Origem Oriental no Brasil-CERAL da PUC-SP, professor visitante na FFLCH-USP, professor convidado na PUC-SP e tradutor de turco, curdo e árabe.

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