No islam a fé em Deus é abordada, ao menos hoje em dia, de uma maneira absolutista, isto é, incondicional.
A filosofia
nasceu através de questionamentos sobre a essência da humanidade e de seu papel
no universo. Estes questionamentos basicamente se resumem nas seguintes
perguntas:
Quem eu sou?
De onde vim e para onde eu vou?
Qual é o meu papel neste mundo?
Estas
perguntas foram formando também a base daquilo que comumente chamamos de
religião, pois a partir daí é que surgiram os diversos teísmos e ateísmos.
Enquanto alguns adotaram uma ideia de que há um divino que criou toda a
natureza, e este para alguns segmentos desta ideia continua criando e
controlando esta criação, outros adotaram uma ideia de que haja uma força da
natureza que possivelmente resultou os seres que ao nosso redor vemos. Com base
nestas diferenças é que vemos ao nosso redor teísmos e ateísmos. Enquanto para
os teísmos há o ideal de criação ou manifestação de um ser supremo ou
essencial, para o ideal ateísta toda a existência é resultado de uma força.
Esta força pode ser a própria natureza ou pode ser o chamado Big Bang que deu início a esta
existência.
Para quem
acredita que há um ser supremo, sobrenatural e incompreensível aos olhos do
humano, o modo de enxergar a existência é o ideal chamado criacionismo. Dentro
desta perspectiva, a visão monoteísta é a que explicita, em suas próprias
condições, que Deus criou todo o universo e colocou-o a serviço do ser humano.
Em troca desta oferta divina, o ser humano que tem uma finitude deve obedecer
às ordens de Deus que o criou. Uma das condições dessa obediência é a fé n’Ele.
Isto pode se constatar quase igualmente nas três religiões abraâmicas –
Judaísmo, Cristianismo e Islam. Dentre estas três religiões, irei aqui colocar
mais em questão o próprio islam por ser a religião que mais conheço.
No islam a fé
em Deus é abordada, ao menos hoje em dia, de uma maneira absolutista, isto é,
fé incondicional. Com o desenvolvimento intelectual do ser humano, os
questionamentos em relação à religião, ou às religiões, também se tornou
corriqueiro. A crença em um ser invisível começou a ser questionada de uma
maneira materialista. Isto, no meio religioso e teológico em geral, causou uma
reação negativa acusando a ciência de incredulidade e de incompatibilidade com
a religião, o que na minha ideia é ao contrário. Esta reação chegou a negligenciar
a fé do outro devido os seus questionamentos em relação a fé e Deus. No mundo
islâmico, ao menos no meu país de origem, Turquia, muitos se encontraram entre
duas opções, ciência ou religião, pois estudar a ciência e questionar a maneira
como se crê podia ser julgado como descrença e isso, como já havíamos apontado
em alguns artigos, resultou nas declarações contra a religião.
Quanto ao
próprio islam, a teoria é diferente do que se viu no passado e se vê hoje em
dia parcialmente. Para os teólogos muçulmanos, a fé se divide em duas partes: a
fé que herdamos dos antepassados e a fé que adquirimos com nosso esforço
intelectual. Embora muitos teólogos afirmem que a fé herdada dos pais através
da observação e da representação deles seja válida perante Deus, o ser humano
precisa se esforçar a ter fé em Deus de maneira afirmativa e isto pode se
adquirir apenas com dúvidas, questionamentos e pesquisas. O Alcorão em
demasiados versículos condena aqueles que se negam a acreditar nos profetas
dizendo que não abandonariam o que viram dos seus antepassados e põe em xeque
aquilo em que criam: “…e se os seus antepassados não sabiam nada, nem eram
orientados à verdade?” (Alcorão 5:104).
Toda esta
reflexão que fizemos, sem dúvida alguma, é de um ponto de vista islâmico. Mas a
pergunta que deve-se fazer, talvez em qualquer tipo de religiosidade ou
espiritualidade, é: será que nunca pode-se questionar sobre Deus, deuses ou
aquilo que manifestou toda a criação?
______________
KUŞ, Atilla. Não se pode questionar sobre Deus? CartaCapital. 04 de Fev. 2020.
FONTE ORIGINAL - [CLIQUE AQUI]
______________
KUŞ, Atilla. Não se pode questionar sobre Deus? CartaCapital. 04 de Fev. 2020.
FONTE ORIGINAL - [CLIQUE AQUI]
[1] É cientista da religião, mestrando no Programa de Estudos Pós-graduandos em Ciência da Religião na PUC, membro do Centro de Estudos das Religiões Alternativas e de Origem Oriental no Brasil-CERAL da PUC-SP, professor visitante na FFLCH-USP, professor convidado na PUC-SP e tradutor de turco, curdo e árabe.
Sem comentários:
Enviar um comentário