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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

CIÊNCIA RELIGIÃO APLICADA


De acordo com Udo Tworuschka, em seu artigo “Ciência Prática da Religião: considerações teóricas e metodológicas”, o termo Ciência da Religião Prática é relativamente novo. Alguns falam de “Ciência da Religião Engajada ou Aplicada". Em 1959 o judeu R. J. Werbolowski usou o termo “Estudos Religiosos Aplicados”. 

Para evitar possíveis equívocos, esclarecemos que os termos "Ciência da Religião Prática", "Ciência da Religião Engajada" ou "Ciência da Religião Aplicada" significam a mesma coisa. A nomenculatura muda, mas, os objetivos a serem atingidos e o métodos usados são os mesmos.  


Friedrich Max Muller (1823-1900), pai fundador da Ciência da Religião, expressou a visão tradicional:

Na vida prática seria errado adotar uma posição neutra entre pontos de vista conflitantes examinados [...]; nós devemos tomar uma posição. Mas como estudantes de Ciência da Religião, nos movemos em uma atmosfera elevada e mais serena. Estudamos o erro, como o fisiologista estuda uma doença, procurando por suas causas, rastreando sua influência, especulando sobre possíveis remédios [...]

A ciência pura e aplicada é uma distinção de ciência do Iluminismo e remonta ao químico e mineralogista sueco Johan Gottschalk Wallerius (1709-1785). Nesse aspecto, a distinção entre ciência pura e aplicada é crucial, para que possamos entender o alcance e os limites epistemológicos de cada um.

Entende-se por Ciência Pura, qualquer atividade em que o cientista é livre para seguir seus impulsos e intuições individuais em sua busca pelo conhecimento. Esse impulso do interior é controlado apenas pela consciência intelectual do pesquisador. O único contexto limitante externo controlando o progresso da pura descoberta científica é a própria natureza.

Já a Ciência Aplicada visa a aplicação do conhecimento para a solução de problemas práticos. Elas são importantes para o desenvolvimento tecnológico e identificam-se de maneira forte com o que se denomina tecnologia. Seu uso no cenário religioso (Ciência da Religião) é fundamental, pois, atua na resolução de diversos problemas concretas do homem.  

Daí conclui-se que, em Ciência Pura o objetivo é o “conhecimento” em si, o “conhecer por conhecer”, enquanto que, a Ciência Aplicada, tem sempre um fim desejado, cuja realização bem sucedida, subordina, em última instância, todo o resto, ou seja, as ciências aplicadas estudam as formas de aplicar o conhecimento humano, oriunda da ciência pura, para o benefício do próprio homem.

Assim, na Introdução do Compendio de Ciência da Religião (Parte V: Ciência da Religião Aplicada), Afonso Maria Ligorio Soares, cita UdoTworuschka, que afirma que no caso da Ciência da Religião, sua aplicação prática:

Vai além da percepção, descrição, e análise das ações dos autores. Ela se interessa pelas reais possibilidades de contribuir socialmente em vista da paz, da humanização e da mediação de conflitos culturais-religiosos, o que implica desistir de uma disposição catedrática de transferência “neutra” de conhecimento de cima para baixo, para investir fundo na vida cotidiana e seus problemas. (SOARES, 2013, p. 573).    

Nota-se que a Ciência da Religião Aplicada posicionou-se em alternativa ao paradigma da Ciência da Religião dos anos 1970, reduzida à pura Fenomenologia da Religião[1]. Atualmente ela é uma disciplina científica-cultural autônoma, que não está interessado se há uma verdade transcendental, mas sim, uma disciplina preocupada com a resolução de questões concretas do homem e da sociedade como um todo.

A Ciência da Religião Aplicada tem uma abordagem indutiva e usa métodos empíricos de pesquisa e usa como ciências auxiliares várias ciências humanas, o que lhe confere uma amplitude ainda maior. Essas ciências auxiliares analisam e apresentam as religiões sob aspetos específicos.

Entre elas destacamos algumas:

A Sociologia da Religião que se dedica ao estudo de questões entre a religião e a sociedade (religião e forma de organização social, religião e política, religião e camadas sociais ou religião e família);

A Etnologia da Religião que se dedica a pesquisa de religiões em sociedades do passado e menos complexas (análise de mitos e de formas de rituais);  

A Psicologia da Religião que se dedica ao estudo das relações entre o indivíduo e a religião, especialmente no plano da experiência individual das pessoas;

A Geografia da Religião que trata dos impactos mútuos entre religião e ambiente, analisando tanto o impacto da religião sobre o ambiente e vice versa;

A Economia da Religião que interessa por questões da relação entre religião e economia, enfocando tanto as condições econômicas como as consequências econômicas da atuação religiosa; [...]

Nesse aspecto, a Ciência da Religião Aplicada deve prestar conta sobre sua relevância social. Por isso, questiona-se muito sobre sua utilidade. Quanto a isso, nós os cientistas da religião já estamos conscientes dessa importância, mas, nunca é demais esclarecer equívocos históricos em torno da nossa disciplina.

Em primeiro lugar a Ciência da Religião é útil de modo pragmático, pois, ajuda na transmissão de conhecimentos sobre religiões e culturas, tanto no ambiente universitário (local onde ainda decorrem as discussões teóricas) assim como fora das universidades (locais de aplicação prática da Ciência da Religião);

A Ciência da Religião pode cumprir o papel de mediadora de conflitos inter-religiosos usando seus pareceres específicos, visando rejeitar interpretações errôneas, preconceitos, mal-entendidos em relação a outras tradições religiosas;

A Ciência da Religião cria novas possibilidades de reflexão crítica sobre nosso próprio ponto de vista por meio da vinculação do resultado de estudos científico-religiosos com a nossa própria cultura e religião na qual vivemos. O estudo de outras religiões nos impele a refletir sobre a nossa e a sermos mais tolerantes.  
  
Outra questão pertinente para a Ciência da Religião Aplicada tem a ver com o papel do pesquisador (o cientista da religião) no processo de pesquisa científico-religioso. Para responder essa questão devemos levar em conta dois fatores: o fator subjetivo e o objetivo.

O primeiro tem a ver com as condições estruturais para a realização das pesquisas que podem distorcer os resultados, como por exemplo, as características históricas, culturais e científicas de uma determinada época;

Por outro lado temos o posicionamento pessoal do pesquisador, que desempenha um papel importante na pesquisa científico-religiosa, quando, por exemplo, atitudes negativas ou positivas acerca da religião exercem seus efeitos sem que isso seja explicitamente levado em conta durante a pesquisa.

Para evitar que uma pesquisa seja comprometida, o cientista da religião deve estar comprometido com o princípio da abstinência de julgamento (suspensão do juízo, conhecido também como ateísmo metodológico) da suposta qualidade dos fenômenos religiosos investigados.  

Assim, nas suas investigações o cientista da religião:

Deve descobrir o que é religião, qual base ela tem com a alma do homem e quais as leis que seguem no seu percurso histórico;

Deve por entre parêntesis os seus interesses religiosos individuais e “assumir o ponto de vista do observador” norteado pelo objetivo de coletar, ordenar e categorizar fatos observados;

Deve adotar uma postura metodológica, em que tenha distanciamento necessário para analisar os fatos, evitando emitir juízos de valor que possam, comprometer os resultados finais, ou seja, o cientista da religião metodologicamente deve adotar o que se chama de agnosticismo e ateísmo metodológico.  

Sendo assim, no espectro da Ciência da Religião Aplicada, o trabalho do cientista da religião, não se restringe sua atuação ao mero registro e a mera recepção de dados pré-estabelecidos, mas, ao contrário, participar pessoalmente dos processos que conduzem à constituição do objeto da Ciência da Religião.  

A Ciência da Religião como área singular, o teor de sua aplicação pode ser variado, a depender das situações e dos sujeitos que a demandam:

O pedagógico que pretende educar e informar grupos e sujeitos;

O terapêutico que pretende direcionar posturas e comportamentos para metas humanas pré-estabelecidas;

O tecnológico que visa precisamente configurar novas condições históricas e institucionais.

Ainda podemos destacar a Ciência da Religião Aplicada às Relações Internacionais, à Educação Sociopolítica; ao Patrimônio Cultural; à Teologia; à Ação Pastora; à Psicoterapia.

Ao procurar por momentos da Ciência Aplicada da Religião no sec. XX encontramos três acadêmicos importantes: o teólogo  protestante alemão Gustav Mensching (1901-1978), o professor, historiador das religiões Mirceia Eliad (1907-1986) e o professor canadense de religião comparada Wilfred Cantwell Smith (1964-1973). Eles estão entre os mais conhecidos, mas provavelmente não são os únicos nessa disciplina.      

Referências:

CARL, Rogers; [et All]. Em busca de vida: da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. 2ª edição. Tradução de Afonso Henrique L. da Fonseca. SUMUS EDITORIAL LDA, 1983.   
Compêndio de Ciência da religião/ João Décio Passos; Frank Usarski (org.). - São Paulo: Paulinas, 2013.     
HOCK, Klauss. Introdução á Ciência da Religião. São Paulo – SP: Edições Loyola, 2010.  




[1] De acordo com Klauss Hock, “o objetivo da Fenomenologia da Religião é ordenar sistematicamente os distintos fenômenos religiosos, definir seus conteúdos religiosos e compreender, dessa maneira, a “essência” da religião. Na segunda metade do séc. XX, a Fenomenologia da Religião em sua forma tradicional se tornou alvo de fortes críticas. Por isso, os primeiros novos inícios são tímidos, renunciam deliberadamente a essa “contemplação” da essência e dirigem sua atenção à pergunta pelas suas intenções, com as quais pessoas atribuem aos fenômenos um sentido religioso, isto é, um sentido que é, para elas, obrigatório e inquestionável”. (HOCK, Klaus, 2010, p. 14).  

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