De acordo com Udo Tworuschka, em seu artigo “Ciência Prática da Religião: considerações teóricas e metodológicas”, o termo Ciência
da Religião Prática é relativamente novo. Alguns falam de “Ciência da Religião
Engajada ou Aplicada". Em 1959 o judeu R. J. Werbolowski usou o termo “Estudos
Religiosos Aplicados”.
Para evitar possíveis equívocos, esclarecemos que os termos "Ciência da Religião Prática", "Ciência da Religião Engajada" ou "Ciência da Religião Aplicada" significam a mesma coisa. A nomenculatura muda, mas, os objetivos a serem atingidos e o métodos usados são os mesmos.
Para evitar possíveis equívocos, esclarecemos que os termos "Ciência da Religião Prática", "Ciência da Religião Engajada" ou "Ciência da Religião Aplicada" significam a mesma coisa. A nomenculatura muda, mas, os objetivos a serem atingidos e o métodos usados são os mesmos.
Friedrich Max Muller
(1823-1900), pai fundador da Ciência da Religião, expressou a visão
tradicional:
Na vida prática seria
errado adotar uma posição neutra entre pontos de vista conflitantes examinados
[...]; nós devemos tomar uma posição. Mas como estudantes de Ciência da
Religião, nos movemos em uma atmosfera elevada e mais serena. Estudamos o erro, como o fisiologista estuda uma doença, procurando por suas causas,
rastreando sua influência, especulando sobre possíveis remédios [...]
A ciência pura e aplicada é uma distinção de ciência do
Iluminismo e remonta ao químico e mineralogista sueco Johan Gottschalk
Wallerius (1709-1785). Nesse aspecto, a distinção entre ciência pura e aplicada
é crucial, para que possamos entender o alcance e os limites epistemológicos de
cada um.
Entende-se por Ciência Pura, qualquer atividade em que
o cientista é livre para seguir seus impulsos e intuições individuais em sua
busca pelo conhecimento. Esse impulso do interior é controlado apenas pela
consciência intelectual do pesquisador. O único contexto limitante externo
controlando o progresso da pura descoberta científica é a própria natureza.
Já a Ciência Aplicada visa
a aplicação do conhecimento para a solução de problemas práticos. Elas são
importantes para o desenvolvimento tecnológico e identificam-se de maneira
forte com o que se denomina tecnologia. Seu uso no cenário religioso (Ciência
da Religião) é fundamental, pois, atua na resolução de diversos problemas
concretas do homem.
Daí conclui-se que, em Ciência Pura o objetivo é o
“conhecimento” em si, o “conhecer por conhecer”, enquanto que, a Ciência Aplicada,
tem sempre um fim desejado, cuja realização bem sucedida, subordina, em última
instância, todo o resto, ou seja, as ciências aplicadas estudam as formas de
aplicar o conhecimento humano, oriunda da ciência pura, para o benefício do
próprio homem.
Assim, na Introdução do Compendio de Ciência da Religião
(Parte V: Ciência da Religião Aplicada), Afonso Maria Ligorio Soares, cita
UdoTworuschka, que afirma que no caso da Ciência da Religião, sua aplicação
prática:
Vai além da
percepção, descrição, e análise das ações dos autores. Ela se interessa pelas
reais possibilidades de contribuir socialmente em vista da paz, da humanização
e da mediação de conflitos culturais-religiosos, o que implica desistir de uma
disposição catedrática de transferência “neutra” de conhecimento de cima para
baixo, para investir fundo na vida cotidiana e seus problemas. (SOARES, 2013,
p. 573).
Nota-se que a Ciência da Religião Aplicada posicionou-se
em alternativa ao paradigma da Ciência da Religião dos anos 1970, reduzida à
pura Fenomenologia da Religião[1].
Atualmente ela é uma disciplina científica-cultural autônoma, que não está
interessado se há uma verdade transcendental, mas sim, uma disciplina
preocupada com a resolução de questões concretas do homem e da sociedade como
um todo.
A Ciência da Religião Aplicada tem uma abordagem indutiva
e usa métodos empíricos de pesquisa e usa como ciências auxiliares várias ciências
humanas, o que lhe confere uma amplitude ainda maior. Essas ciências auxiliares
analisam e apresentam as religiões sob aspetos específicos.
Entre elas destacamos algumas:
A
Sociologia da Religião que se dedica ao estudo de
questões entre a religião e a sociedade (religião e forma de organização
social, religião e política, religião e camadas sociais ou religião e família);
A
Etnologia da Religião que se dedica a pesquisa de
religiões em sociedades do passado e menos complexas (análise de mitos e de
formas de rituais);
A
Psicologia da Religião que se dedica ao estudo das
relações entre o indivíduo e a religião, especialmente no plano da experiência
individual das pessoas;
A
Geografia da Religião que trata dos impactos
mútuos entre religião e ambiente, analisando tanto o impacto da religião sobre
o ambiente e vice versa;
A
Economia da Religião que interessa por questões
da relação entre religião e economia, enfocando tanto as condições econômicas
como as consequências econômicas da atuação religiosa; [...]
Nesse aspecto, a Ciência da Religião Aplicada deve prestar
conta sobre sua relevância social. Por isso, questiona-se muito sobre sua utilidade.
Quanto a isso, nós os cientistas da religião já estamos conscientes dessa importância,
mas, nunca é demais esclarecer equívocos históricos em torno da nossa
disciplina.
Em primeiro lugar a Ciência
da Religião é útil de modo pragmático, pois, ajuda na transmissão de
conhecimentos sobre religiões e culturas, tanto no ambiente universitário
(local onde ainda decorrem as discussões teóricas) assim como fora das
universidades (locais de aplicação prática da Ciência da Religião);
A Ciência da Religião pode cumprir
o papel de mediadora de conflitos inter-religiosos usando seus pareceres
específicos, visando rejeitar interpretações errôneas, preconceitos,
mal-entendidos em relação a outras tradições religiosas;
A Ciência da Religião cria
novas possibilidades de reflexão crítica sobre nosso próprio ponto de vista por
meio da vinculação do resultado de estudos científico-religiosos com a nossa
própria cultura e religião na qual vivemos. O estudo de outras religiões nos
impele a refletir sobre a nossa e a sermos mais tolerantes.
Outra questão pertinente para a Ciência da Religião
Aplicada tem a ver com o papel do pesquisador (o cientista da religião) no
processo de pesquisa científico-religioso. Para responder essa questão devemos
levar em conta dois fatores: o fator subjetivo e o objetivo.
O primeiro tem a ver com as condições
estruturais para a realização das pesquisas que podem distorcer os resultados,
como por exemplo, as características históricas, culturais e científicas de uma
determinada época;
Por outro lado temos o
posicionamento pessoal do pesquisador, que desempenha um papel importante na
pesquisa científico-religiosa, quando, por exemplo, atitudes negativas ou
positivas acerca da religião exercem seus efeitos sem que isso seja
explicitamente levado em conta durante a pesquisa.
Para evitar que uma pesquisa seja comprometida, o cientista
da religião deve estar comprometido com o princípio da abstinência de
julgamento (suspensão do juízo, conhecido também como ateísmo metodológico) da
suposta qualidade dos fenômenos religiosos investigados.
Assim, nas suas investigações o cientista da religião:
Deve descobrir o que é religião,
qual base ela tem com a alma do homem e quais as leis que seguem no seu
percurso histórico;
Deve por entre parêntesis os
seus interesses religiosos individuais e “assumir o ponto de vista do
observador” norteado pelo objetivo de coletar, ordenar e categorizar fatos
observados;
Deve adotar uma postura
metodológica, em que tenha distanciamento necessário para analisar os fatos,
evitando emitir juízos de valor que possam, comprometer os resultados finais,
ou seja, o cientista da religião metodologicamente deve adotar o que se chama
de agnosticismo e ateísmo metodológico.
Sendo assim, no espectro da Ciência da Religião Aplicada,
o trabalho do cientista da religião, não se restringe sua atuação ao mero
registro e a mera recepção de dados pré-estabelecidos, mas, ao contrário,
participar pessoalmente dos processos que conduzem à constituição do objeto da
Ciência da Religião.
A Ciência da Religião como área singular, o teor de sua
aplicação pode ser variado, a depender das situações e dos sujeitos que a
demandam:
O pedagógico que pretende
educar e informar grupos e sujeitos;
O terapêutico que pretende
direcionar posturas e comportamentos para metas humanas pré-estabelecidas;
O tecnológico que visa
precisamente configurar novas condições históricas e institucionais.
Ainda podemos destacar a Ciência da Religião Aplicada às
Relações Internacionais, à Educação Sociopolítica; ao Patrimônio Cultural; à
Teologia; à Ação Pastora; à Psicoterapia.
Ao
procurar por momentos da Ciência Aplicada da Religião no sec. XX encontramos
três acadêmicos importantes: o teólogo protestante alemão Gustav Mensching
(1901-1978), o professor, historiador das religiões Mirceia Eliad (1907-1986) e o professor canadense de religião comparada Wilfred
Cantwell Smith (1964-1973). Eles estão entre os mais conhecidos, mas
provavelmente não são os únicos nessa disciplina.
Referências:
CARL, Rogers; [et All]. Em busca de vida: da
terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. 2ª edição. Tradução
de Afonso Henrique L. da Fonseca. SUMUS EDITORIAL LDA, 1983.
Compêndio de Ciência da religião/ João Décio
Passos; Frank Usarski (org.). - São Paulo: Paulinas, 2013.
HOCK,
Klauss. Introdução á Ciência da Religião. São Paulo – SP: Edições Loyola,
2010.
[1]
De acordo com Klauss Hock, “o objetivo da Fenomenologia da Religião é ordenar
sistematicamente os distintos fenômenos religiosos, definir seus conteúdos
religiosos e compreender, dessa maneira, a “essência” da religião. Na segunda
metade do séc. XX, a Fenomenologia da Religião em sua forma tradicional se
tornou alvo de fortes críticas. Por isso, os primeiros novos inícios são
tímidos, renunciam deliberadamente a essa “contemplação” da essência e dirigem
sua atenção à pergunta pelas suas intenções, com as quais pessoas atribuem aos fenômenos
um sentido religioso, isto é, um sentido que é, para elas, obrigatório e
inquestionável”. (HOCK, Klaus, 2010, p. 14).
Sem comentários:
Enviar um comentário