Quem era Jesus Cristo? Homem? Deus? Homem e Deus? E como relacionavam-se nele essas duas "naturezas", divina e humana? Onde termina uma e começa outra?
Quando Jesus chora no Getsêmani (jardim das oliveiras) ou se desespera na cruz, é o homem ou Deus que agoniza? Como pode Deus agonizar?
A opção final dos primeiros cristãos será pela natureza dupla e não misturada de Cristo, Deus e homem. Quando chora e agoniza na cruz, é o homem que fala. Quando ressuscita, é Deus quem vence a morte humana. Por outro lado, a dupla natureza de Cristo será importante para entendermos o peso da sua paixão: um Deus que sente dor por amor (ágape) à humanidade, esvaziando-se de seus "superpoderes" para sofrer a paixão em nome da pedagogia do amor, pedindo ao Pai (na condição de homem) que "perdoe porque eles não sabem o que fazem" e nos "redimindo" dos nossos pecados. A escolha pela dupla natureza não deve ser menosprezada porque ela carrega em si um sentido teológico essencial.
Se Jesus fosse apenas um homem, mais um profeta de Israel ou um "mero" messias, como diziam os arianos, ele não teria poder para interromper sua paixão, e, portanto, seu amor pela humanidade poderia ser "diminuído", uma vez que fosse visto como fruto, em parte, de sua impossibilidade de mudar seu destino, isto é, de não sofrer a paixão injusta, uma espécie de sublimação melosa de seu fracasso. Jesus sofreria por não poder evitar sua própria agonia e, portanto, sua morte não poderia ser evitada, e seu amor seria então o amor de um justo, mas, fraco como todos nós. Seu amor não teria o impacto cosmológico-moral de alterar a economia do pecado. Há uma fina psicologia de Cristo em jogo aqui.
Se por outro lado, ele fosse apenas espírito, sua paixão seria apenas uma farsa para emocionar o povo. Sua dor seria uma mentira. Sendo ele apenas um homem, seu amor seria "menor", sendo ele apenas um espírito divino, sem corpo, seu amor seria sem agonia verdadeira. Apenas a dupla natureza daria a Jesus sua grandeza teológica: um Deus que sofre livremente, por amor à humanidade.
Todavia, a crítica histórica pontuará que a divinização de Jesus será feita à custa de um caráter popular original. Até na arte da época podem-se ver os sinais desse processo de divinização como roubo do Cristo do povo e recriação da figura de Jesus na pele de um Deus que, na realidade, se faz parente do imperador bizantino: no teto da Basílica de Santa Sofia, em Istambul, hoje chamada de Aya Sofia pelos turcos, vemos o Deus Cristo "de mãos dadas" com o imperador, enquanto o povo fica de fora.
Mais uma vez, política e teologia se confundem. Se é verdade que o Cristo pobre foi substituído com sua divinização, pelo Cristo da aristocracia bizantina, nem por isso, a teoria da dupla natureza de Cristo é menos importante para o drama que associa um Deus à paixão na cruz. Os desdobramentos contemporâneos dessa questão são muitos [...].
PONDÉ, Luíz Felipe. Para entender o cristianismo hoje. - São Paulo: Benvirá, 2011, p. 31, 32, 33.
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