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Resumo
Vivemos uma situação
paradoxal: quanto mais cresce o império da imagem em nossa sociedade, mais
definha a presença do símbolo. O símbolo vive da evocação e inspiração do
ausente. Este trabalho baseado na obra A
vida do símbolo – A dimensão simbólica da religião de José Maria
Mardones[2], e tem como propósito refletir sobre esse paradoxo aparente, como
um desvelamento da lógica das contradições e empobrecimento da nossa cultura
atual, ou seja, a cultura da imagem. O predomínio ditatorial da imagem em nosso
mundo pode ser lido como indicador de uma decadência da palavra e, mais ainda,
do símbolo. As consequências e perguntas são numerosas, mas a primeira dessas
consequências e a opressão do símbolo pela imagem.
A vida do símbolo – a dimensão
simbólica da religião
A obra de José Maria
Mardones A vida do símbolo – A dimensão
simbólica da religião é uma tentativa de resgatar o simbólico na cultura da
modernidade, visando ao esclarecimento da dimensão transcendente da vida
humana, mas também a saúde da religião, que depende da vitalidade com que os
símbolos religiosos são vividos. O autor propõe analisar a dimensão simbólica
em um de seus âmbitos mais expressivos: o religioso.
Segundo ele, no momento em
que se vive o novo paradigma da racionalidade, o presente ensaio incentiva e
estimula o exercício de uma razão não unilateral, mas aberta ao simbólico e
enraizada no mundo da evocação e da corporeidade, consciente de sua relação
constitutiva e vital com a tradição, e sensível à alteridade da interpretação
do outro no rosto humano das vítimas da história.
A obra está dividida em
dois capítulos e seis partes: a primeira – situação da cultura ocidental em
relação ao símbolo, a segunda – busca das raízes do símbolo; a terceira – o
campo simbólico; a quarta – armadilhas que espreitam a religião na sua relação
com o símbolo; a quinta – aborda três aspectos em que o símbolo desempenha
papel relevante na crença cristã; a sexta – aborda o imaginário e o desdobramento
simbólico que possuem um peso importante.
O Império da visão
O enorme crescimento da
fotografia, vídeo e televisão, a civilização ocidental é a expressão
incontestável para a visualização total da realidade, a “civilização da
imagem”, contrariando assim, o Cogito,
ergo sum de Descartes, que significa “penso, logo existo” que, se estivesse
vivo, diria, com certeza “posto logo existo” […].
A racionalidade moderna
caminha para uma decomposição analítica, que no fundo, quer visualizar o
segredo guardado pela realidade. A pretensão é trazer à luz dos olhos, da
imagem retiniana, as coisas tais quais elas são. A análise da ciência como
caminho de acesso à verdade vem de uma lógica que se costuma atribuir a
Aristóteles, filósofo grego, aluno de Platão, nascido: 384 a.C., Calcídica,
Grécia e falecido em: 322 a.C., Cálcis, Grécia.
A lógica aristotélica
consiste no raciocínio binário, dialético, que propõe duas alternativas que
excluem a terceira. É conhecida como a lógica silogística baseada nos seguintes
princípios:
1- Princípio
de Identidade: A é A;
2- Princípio
de não contradição: é impossível que A seja A e não A ao mesmo tempo;
3- Princípio
do terceiro excluído: A é x ou não-x, não há terceira possibilidade.
A verdade se consegue por
meio de uma argumentação que propõe uma “imagem” ou “visão” mental da verdade
clara e distinta. A teoria do conhecimento também era regida pelo ideal da
imagem. Conhecer era produzir na realidade, uma espécie de espelho da natureza.
Conhecer era reproduzir a realidade tal como ela era. Com o avanço tecnológico,
a metáfora do espelho da natureza foi substituída pela fotografia. O
conhecimento seria como uma máquina fotográfica que registra com beleza,
neutralidade e detalhe tudo o que tivesse diante de si, isto é, tudo o que conhecesse.
A história da teoria do
conhecimento foi à destruição crescente das concepções em que se tornaram
ilusões. Não há tal espelho e tal máquina fotográfica; o conhecimento humano é
mais complexo e menos mecânico. O próprio sujeito, o ambiente social e cultural
e até a situação introduzem em nosso aparato conceitual muitos elementos que
tornam pouco confiável a representação do conhecimento por meio de um espelho
ou de uma máquina fotográfica.
Nem mesmo uma câmera de
vídeo cinematográfica pode expressar esse secreto anseio de conhecer, de
reproduzir em imagens o que temos diante de nós. Conhecer deve ser de algum
modo, o mesmo que ver a realidade. A imagem permaneceu como paradigma do
conhecimento. A teoria, o saber, tem que ser semelhante ao ver.
Somos uma civilização
presidida pelo anseio de ver conceitualmente, e quanto mais claro, melhor. Daí
a autoridade da imagem, que vale mais do que mil palavras. Assim chegamos a
apoteose da imagem. Queremos dizer, contar, expressar tudo em imagem. A ponto
do que existe em imagem não existe na realidade. A imagem se entronizou de tal
forma que assumiu o lugar da realidade e a substituiu.
Uma primeira impressão
talvez levasse a crer que a civilização da imagem significa uma espécie de
entronização da imaginação. É, porém, o contrário. O movimento que estamos
descrevendo marca o processo de desvalorização do imaginário em geral e do
símbolo em particular.
O imaginário também é
desvalorizado pela avalanche de imagens e de publicidade que suplanta a
realidade e que faz a simulação passar por realidade. O ser, nestes tempos do
capitalismo consumista, equivale ao aparecer… O homo
virtualis, que vive da permuta consumista, não tem que imaginar ou evocar
nada; somente assimilar as sensações que o rodeiam.
Por isso, Mardones, elabora
uma série de questões na tentativa de compreender o que acontece com essa nossa
sociedade: Onde fica aquela realidade mais além daquilo que se vê? A cultura da
imagem não é um perigoso inimigo do imaginar e um esquecimento de um ouvir e de
um escutar? Não estamos confundindo o ver interior com ver exterior? Não
estamos esquecendo a lição poética e a da sabedoria, que representam a
realidade sem despoja-la de uma profundidade e mistério?
Segundo ele, não há dúvida
que, o resultado desse processo enaltecedor da imagem que chega até a
suplantação da realidade, é que no caminho já perdemos a própria realidade.
Esse funcionamento instrumentalizador da realidade, que deus tantas
contribuições a sociedade e ao ser humano, enlouqueceu ao pretender ser dono de
toda a realidade. Confundir a manipulação das coisas com a posse de sua
realidade tem sido o pecado dessa nossa modernidade tardia.
O esvaziamento da interioridade
O predomínio da cultura de
imagem nos roubou a interioridade. O anseio de vê-la toda nos levou ao desejo
de mostrá-la toda, inclusive o interior do sujeito. Quisemos trazer a luz a
introspeção, e esta se converteu em exibicionismo. A falta de cuidado em
salvaguardar o rasto de mistério do ser humano e de sua interioridade
desembocou na trivialidade. A exterioridade da imagem do indivíduo devora sua
interioridade.
Vivemos uma época do
“Voyeurismo”, convertemo-nos em “mirões”. A falta de profundidade interior
desencadeia a sede de conhecimento desse continente oculto. Essa interioridade
fascina, mas não temos paciência para penetrara nas regiões delicadas e
sagradas dos outros.
Ansiamos por nos conhecer e
conhecer os outros, e não damos tempo de dedicar a essa tarefa tão delicada.
Substitui-se o conhecimento da interioridade, pela iluminação violenta de
imagens dos comportamentos obscuros dos seres humanos. Assim, as imagens captam
assassinos ou suicidas diante das câmeras, e a pornografia mostra até o último
detalhe anatômico, mas em vão, porque não se capta nada do segredo do sujeito.
A cultura da imagem, que
não sabe restringir a aparente clareza e revelação total, incorre no erro do
vazio. Em vez de mostrar o sujeito, fotografa suas partes pudendas. O sujeito,
a pessoa, está toda aí, plena, clara e virtualmente, mas não verdadeiramente.
Talvez hoje estejamos
vivendo uma nova virada sociocultural no olhar mediático: já não somos
observados pelo “Big Brother” Orweliano; já não é a tirania do sistema, que
vigia todos nossos movimentos, agora nós olhamos para o “Big Brother”, a fim de
obter algo dele.
A necessidade de mostrar a
interioridade denuncia a pobreza da humanidade, de sentido e de relação da
nossa sociedade e das pessoas. Ansiamos pelo sentido, pelo encontro
interpessoal, e carecemos de preparação e até de meios para procurá-lo.
No fundo, o mercado
A imagem está a serviço das
relações comerciais. Em nossa sociedade a publicidade recorre a toda
simbologia, inclusive a religiosa. Violenta-se a simbologia tradicional para
usá-la como estímulo ao consumo. Nada detém o interesse publicitário, isto é,
comercial, para provocar o espetador e incentivar o consumo. O símbolo se
degrada até ser a piscadela que vende perfume, e as figuras controvertidas da
mitologia cristã descem ao nível irresistível do sabor de um sorvete.
O Futebol se tornou o
“símbolo da globalização” é a diversão planetária, com verdadeiros ídolos, que
substituem os de outrora: cantores de ópera ou artistas do cinema que estão
além das fronteiras nacionais. Essa cultura de massa globaliza as modas, os
gostos, os sabores, a música. Esse uso comercial e degustativo da imagem,
simples sinais com valor meramente conotativo. Ficamos reféns da imagem da
realidade e somos conduzidos ao mundo do mercado.
A imagem é o grande veículo
que nos introduz e nos transporta ao supermercado do mundo. A aparência é o
novo nome da veste das relações mercantis. Tudo fica reduzido ao símbolo
mercantil e significado de consumo.
Assim, a imagem se converte
em instrumento a serviço da sociedade de sensações. Veículo de excitação e até
produto de consumo. A sociedade de sensações é um mercado de sensações. A
imagem se transforma em instrumento a serviço da fuga de si mesmo e da imersão
no mundo dos produtos e das marcas, da simulação e da guerra comercial dos
objetos.
Consequências paradoxais da “civilização
da imagem”
O poder da imagem cresceu
desmedidamente nesta era da “globalização” cultural. Alguns dirão imediatamente
que se trata de uma cultura trivial, de aparência juvenil e de gozo de
sensações. A sociedade denominada por “Sociedade das sensações” tem aqui sua
realização mais relevante. Contudo, a civilização da imagem ameaça, com sua
ditadura, o equilíbrio mental e o bom desenvolvimento do homo sapiens. Não está
claro se, por traz da avalanche de imagens icônicas, cinematográficas e
televisivas de vídeo e internet, temos capacidade imaginativa maior ou se nossa
imaginação ficará anestesiada.
Uma das consequências
indesejadas e até perversas desta anestesia da imaginação é sua incidência no
mundo moral: ao reduzir a pessoa à categoria de consumidor passivo, rouba-lhe a
capacidade reflexiva e impede-lhe de qualquer discernimento. O espectador
digere, sem estrutura crítica, nem moral, aquilo que a tela lhe oferece.
Dá na mesma que seja uma
tragédia na África, um atentado na Espanha, uma receita de cozinha ou um atentado
no Oriente Médio. Estamos a um passo da contemplação dos assim chamados “olhos
mortos”, olhar senil sem critério nem sentido. Ou talvez Bauman tenha razão ao
falar de “modernidade líquida” na qual os indivíduos não possuem critérios de
escolha racional.
Os meios de comunicação
geram em torno de si uma turbulência que arrasta na avalanche da informação do
desnorteamento generalizado. Criam-se as condições objetivas para que o
reino da imagem se converta no reino da manipulação. Essa visão apocalíptica da
“civilização da imagem” é difícil que se imponha. Contar-se-á sempre – como
mostra a chamada “teoria dos passos” como uma parte de relações pessoais e
comunicações de pequeno grupo, família etc.
Encontramos diante de um
esvaziamento do espaço público por desinteresse de cidadania. A pessoa fica
trancada no círculo da mesmice. Uma sociedade “enclausurada” na imanência
positivista do dado.
O fechamento diante do Mistério
O processo de inundação do
mundo pela imagem equivale a uma crescente marcha para a superfície das coisas.
Quando o fluxo das imagens prolifera, o feixe de sensações estimula uma
gratificação imediata que submerge o indicio de um pressentimento indefinido.
Ficamos presos ao imediatismo e ao dado, sem poder passar para o sentido das coisas.
Nessa situação
sociocultural de predomínio da imagem, estamos a um passo do fechamento da
transcendência. Não há capacidade no sujeito para romper o emaranhado de
imagens e representações que o agarram e o retém na frívola imanência.
Em nossa cultura, a imagem
tem a pretensão que outrora, pertencia a ciência: ser a desveladora da
realidade, representada em imagens e informações se oferece sem espessura nem
complexidade: tanta clareza e transparência liquida a fugacidade e o absurdo
das coisas e ensina a aceitar e amar os ídolos.
A cultura da imagem,
enquanto não for iniciação ao mistério da vida, um caminha pelo deserto em
busca da terra prometida, na qual, como Moisés, nunca chegaremos a pôr os pés,
será uma fraude. Somente o símbolo pode sugerir e evocar o caminho, ele é o
guia para os nômades do deserto que tem apenas algumas pistas nessas busca da
terra prometida.
A imagem e a nova situação moderna
A visão da civilização da
imagem nos leva a uma conclusão arriscada. mas precisamos formula-la. Para J.
Habermas é uma modernidade tardia ou segunda modernidade, para U. Beck até
pouco tempo denominava-o de pós-modernidade, enquanto que para Z. Bauman chama
de modernidade líquida. A modernidade é apresentada, nas visões críticas e
também nas estereotipadas. Como uma sociedade com um núcleo e algumas
estruturas duras, sólidas condensadas, constituindo um sistema.
Nesta sociedade os
indivíduos se voltam totalmente para si mesmos e seus interesses, porque são
inimigos declarados do cidadão e de qualquer preocupação pelo bem comum ou pela
sociedade justa.
Conclusão:
Um novo espaço
de significação na era pós-humanista?
O predomínio da imagem, até
a tirania, coloca um problema de fundo cultural, civilizatório, educativo e de
doação de sentido. Até ontem, a denominada cultura ocidental era presidida
pelas palavras. A herança Greco-hebraica era verbalista até o logocentrismo. O
discurso racionalista era a maneira normal de transmissão de significado e
sentido.
O que acontece quando a
imagem toma lugar da informação quando a palavra é subordinada a imagem? Uma
tarefa fascinante, mas diante do qual só podemos fazer conjeturas, contudo
estamos assistindo a uma mudança de sensibilidade que penetra até as raízes da
comunicação e do sentido.
A torrente velocidade e
sedução da produção de imagens castram a imaginação e reduz o indivíduo a um
consumidor de imagens, em vez de exercitador de seu imaginário, e assim sua
atividade criativa fica seca e vazia. Estamos perigosamente em uma cultura
simbolicamente empobrecida, uma cultura literalmente in-transcendente, sem
saída para a transcendência e o mistério.
Referência
MARDONES, José Maria – A
vida do símbolo – A dimensão simbólica da religião – São Paulo: Paulinas
2006. Tradução Euclides Martins balancim. (Coleção espaço filosófico)
[1] Mestrando em Ciência da Religião – PUC –
SP – primeiro semestre.
[2] José Maria Mardones, doutor em Sociologia
e Teologia, foi pesquisador no Instituto de Filosofia do Centro Superior de
Investigações Científicas de Madrid. Nasceu em 14 de Novembro de 1943 em Aguera
Montija. Viveu sua infância sob a influência do tio, que era coroinha, e, desde
jovem começou a sentir uma vocação religiosa que o levou em 1961, com 18 anos a
participar do seminário dos Irmãos Maristas. Formou na Escola de Educação em
Balmaseda (Vizcaya) e começou sua carreira como professor na Faculdade de San
Luis. Ele era um homem generoso e humilde, sempre incentivando o
comprometimento intelectual, social e político. Morreu em 23 de Junho de 2006,
assistindo a um jogo de futebol com os colegas.
Ensaio publicado inicialmente em <http://www.publikador.com/estudos-academicos/arlindo-nascimento-rocha/predominio-da-imagem-e-anemia-simbolica>, 23/12/2014.
Ensaio publicado inicialmente em <http://www.publikador.com/estudos-academicos/arlindo-nascimento-rocha/predominio-da-imagem-e-anemia-simbolica>, 23/12/2014.
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