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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

MISSIONÁRIOS OU CHARLATÕES RELIGIOSOS EM ÁFRICA?


" [...]  Os VERDADEIROS MISSIONÁRIOS ignoram a si mesmos e realizam aquilo para que foram chamados pela força de seu gênio, secundada pelo poder oculto que os inspira e os dirige, sem que o saibam e sem desígnio premeditado [...]" A. Kardec


Em campanhas eleitorais, é normal que os candidatos a uma (re) eleição, recorram a seus feitos, realcem suas maiores virtudes e conquistas, sua filiação religiosa, seus projetos, até mesmo suas "missões", sejam elas religiosas, humanitárias ou educativas, para agregar valores, e, dessa forma vencer uma eleição.

Mas, quando os motivos pelos quais, certas pessoas se tornam MISSIONÁRIOS, são obscuros e duvidosos é preciso estar vigilante. Pois, nem todos cabem dentro da explicação inicialmente apontada por Kardek. Por isso, é preciso questionar: - Quais foram os reais motivos da (suposta) missão evangelizadora? - Em que situações ela foi realizada? - Dessa missão resultou dividendos patrimoniais e financeiros? [...] 

Está claro que, historicamente a África sempre foi o continente onde muitos viram excelentes possibilidades de exploração e enriquecimento desde o século XV. De lá até aqui, pouca coisa mudou! Muitos continuam vendo em África um ninho de ovos dourados. 

Principalmente os 'pseudo-cristãos' falsamente intitulados de MISSIONÁRIOS RELIGIOSOS, cujo objetivo não é evangelizar, mas, utilizar da boa fé, da "ignorância" da vulnerabilidade e da fragilidade de certas pessoas, para mais uma vez, e, utilizando de técnicas e métodos  persuasivos (charlatanismo) para enganar, explorar, extorquir os poucos recursos de pessoas que vivem muitas vezes no limite da pobreza. 

Não que isso seja regra geral! Certamente há MISSIONÁRIOS honestos. Que isso fique claro! 

Mas, sabemos que muitos MISSIONÁRIOS, vão à África à "caça/pesca de almas", porque sabem, e, quando não, são aconselhados/instruídos que,
[...] "quando a gente precisa de dinheiro, a gente pesca o peixe, e o peixe na boca traz a moeda"[...] M.C.
E, reforçando essa ideia da 'pesca de almas' enfatizam [...] 
"é ganhando a alma que se ganha a oferta, ou seja, a moeda" [...]. M.C. 
Quantos em 'nome de Deus', foram 'pescados' porque trouxeram a moeda na boca? E, quantos foram devolvidos ao mar (condenados) porque não trouxeram a moeda? Pode-se concluir que, a condição para uma boa pesca, depende necessariamente do valor da moeda que o 'peixe' traz na 'boca'. Literalmente, seria o valor do CHEQUE.

Mas, pior ainda, é quando certos MISSIONÁRIOS, narram suas dificuldades em VIVER longe da família: 
"meus irmãos, vocês não sabem o que é viver num país, longe da família, longe de todo mundo, numa dificuldade e você passar um CHEQUE sem fundos. Que agonia rapaz" [...]M.C. 
Então, pergunta-se: o MISSIONÁRIO não deveria ser aquele que ignora a si mesmo (família, amigos, carreira...) e responde ao chamado que o inspira a ajudar os outros em troca de nada? Acho que não é esse o caso! O valor do CHEQUE, fala mais alto. Mas, provavelmente, os 'sem fundo' são motivo de agonia. E que AGONIA! Afinal o 'peixe' não trouxe a 'moeda' na 'boca', e, como não houve oferta, a alma se perdeu [...] Eis a face mais cruel do 'pseudo-missionarismo'.

Estejamos todos vigilantes, pois,
[...] "quem se acha do bem, na realidade não é muito confiável [...] Na realidade, quanto mais percebemos longe de Deus, mais perto d´Ele estamos, e, quanto mais achamos do bem e perto de Deus, provavelmente, estamos dominados pela vaidade, pois,toda a virtude é humilde e silenciosa" L.F.P.  

Quem se acha do bem, é na verdade do mal.


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS ENTRE CIÊNCIA DA RELIGIÃO E RELIGIOLOGIA



Vários estudiosos tem tentado fazer a aproximação conceitual entre os termos Ciência da Religião e Religiologia, uma vez que, não é difícil verificar interfaces entre esses conceitos que, por natureza, possuem objetos, objetivos, métodos e metodologias comuns no tratamento de informações/ fatos referentes ao estudo e a compreensão da(s) religião (ões) e dos fenômenos religiosos.

      
A Ciência da Religião tem como finalidade desenvolver, no seu conjunto, investigações que se orientam por abordagens de perfil multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar, segundo recortes teórico-metodológicos diversos. Segundo Klauss Hock, “a Ciência da Religião é uma pesquisa empírica, histórica e sistemática da religião e de religiões”. Segundo Aldo Natale Terrim (2003):

O grande pioneiro nesse campo foi M. Muller (1823-1900), que além de realizar estudos comparados de grande valia sobre a mitologia das diversas religiões, começou também a grande tradução para o Inglês de todos os livros sagrados do Oriente na série The Sacred books of the East [Os livros sagrados do Oriente].

Ao investigarmos sobre o tema Religiologia, tivemos como ponto de partida o artigo elaborado por Flávio Senra, cujo título “O teólogo e o cientista da religião. Religiografia acerca das interfaces entre Ciências da Religião ou Religiologia e Teologia no Brasil” publicado em 2016. Segundo ele, Hans-Jurgen Greschat já havia usado o termo Religiologia para nomear a pesquisa do “imediatamente relevante”[1] na pesquisa sobre religião, crença ou expressão religiosa”.[2]

Etimologicamente, podemos comparar a "Religiologia", por exemplo, com a "Psicologia". A Psicologia deriva das palavras gregas "psyché" (alma, espírito) e "logos" (estudo, razão, compreensão); já a "Religiologia" deriva de "religio" palavra de origem latina que segundo Klauss Hock (2010), descreve a atuação como consideração ou a “observância”; e "logia" do grego “logos”, palavra, discurso, linguagem, estudo [...], ou seja, a palavra Religiologia significa: “aprender sobre religião” ou “estudo da religião”[3]

Ao basearmos na origem etimológica dessas duas palavras, podemos concluir corroborando com Hebert D. Liessique (2015) que "Religiologia é um campo separado da ciência, pois estuda a religião e seus fenômenos.” [...] Ou seja, a "Religiologia" faz todo o sentido, como sendo "o estudo da(s) religião (ões) e dos fenômenos religiosos de forma científica".

Segundo Senra (2016) “existem vários estudos casos em que o termo Religiologia aparece”. A título de exemplo, veremos dos casos em que o temo aparece fora do eixo linguístico franco-anglo-saxônico. Um exemplo japonês e um polonês:  

No caso Japonês, a Religiologia é um ramo da ciência e seu objetivo é o estudo científico da religião. Procura obter um conhecimento básico sobre a religião como uma fase da cultura, sem a ideia preconcebida de um sistema de crenças específico. Apenas o estudo científico da religião pode alcançar esse objetivo; no caso polonês, o termo Religiologia é utilizado para caracterizar os estudos da religião, incluídas as disciplinas teologia da religião e filosofia da religião [...]

Já o termo “Religiólogo” segundo Michelie Kassia (2012), “caracterizaria como o profissional capacitado para desenvolver estudos sobre o fenômeno religioso, assim como o sociólogo estuda a sociedade, o biólogo a vida, o psicólogo a psique, e outros".[4] Ou seja, o tarefa do Religiólogo consiste na investigação científica para a análise do fenômeno/fato religioso.

Etimologicamente podemos comparar o "Religiológo" com o "Psicólogo". A segunda deriva do Grego psykhé, “mente”, mais logon, “tratado, estudo”, bem como o nome da matéria, Psicologia. O Psicólogo da religião dedica-se ao estudo da relação entre indivíduo e a religião, enquanto que o Religiólogo seria um profissional que estuda o comportamento, do endivido em relação aos fenômenos e os processos religiosos no seio da sociedade como um todo.

Podemos ver que existe uma correlação direta entre os termos Ciência da Religião e Religiologia, por serem ciências que se dedicam ao estudo da (s) religião (ôes) e dos fenômenos religiosos. Mas, para isso, é preciso que existam profissionais para tal. 

No primeiro caso, o Cientista da Religião, que tem como tarefa investigar, analisar, comparar diferentes religiões tendo sendo como compromisso o principio de não julgamento da suposta qualidade dos fenômenos religiosos investigados. Depreende-se, então, que, a tarefa do Religiólogo não difere do Cientista da religião. Então, podemos concluir que o Cientista da Religião está para a Ciência da Religião, assim como, a Religiólogo, está para a Religiologia.      


Referências:

SENRA Flávio. O teólogo e o cientista da religião. Religiografia acerca das interfaces entre Ciências da Religião ou Religiologia e Teologia no Brasil. Disponível em: < file:///C:/Users/Priscilla/Downloads/Dialnet-OTeologoEOCientistaDaReligiaoReligiografiaAcercaDa-5567869.pdf>. Acesso em 21/10/2016.

Compêndio de Ciência da religião/ João Décio Passos; Frank Usarski (org.). - São Paulo: Paulinas, 2013.
H-J. GRESCHAT, O que é Ciência da Religião. Coleção Repensando a Religião, p. 32 apud SENRA, 2016.

HOCK, Klauss. Introdução á Ciência da Religião. São Paulo – SP: Edições Loyola, 2010.  
KÁSSIA, Michelle. Curso de Ciência das Religiões. UFPB. Disponível em: < http://crufpb.blogspot.com.br/2012_06_01_archive.html>. Acesso em 21/10/ 2016.
  
LIESSI Hebert D. Por que o Ensino Religioso? – parte 1. Disponível em < http://religiaorelevante.blogspot.com.br/2015/08/por-que-o-ensino-religioso-parte-1.html>. Acesso em 21/10/2016.

TERRIM, Aldo Natale. Introdução ao estudo comparado das religiões. – São Paulo: Paulinas, 2003. – (Coleção religião e cultura).      



[1] H-J. GRESCHAT, O que é Ciência da Religião. Coleção Repensando a Religião, p. 32 apud SENRA, 2016.
[2] SENRA Flávio. O teólogo e o cientista da religião. Religiografia acerca das interfaces entre Ciências da Religião ou Religiologia e Teologia no Brasil. Disponível em: < file:///C:/Users/Priscilla/Downloads/Dialnet-OTeologoEOCientistaDaReligiaoReligiografiaAcercaDa-5567869.pdf>. Acesso em 21/10/2016.  
[3] LIESSE Herbert D. Por que um Ensino Religioso? Disponível em <http://religiaorelevante.blogspot.com.br/2015/08/por-que-o-ensino-religioso-parte-1.html>. Acesso em 21/10/2016.
[4] KÁSSIA, Michelle. Curso de Ciência das Religiões. UFPB. Disponível em: < http://crufpb.blogspot.com.br/2012_06_01_archive.html>. Acesso em 21/10/ 2016.  

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

CIÊNCIA RELIGIÃO APLICADA


De acordo com Udo Tworuschka, em seu artigo “Ciência Prática da Religião: considerações teóricas e metodológicas”, o termo Ciência da Religião Prática é relativamente novo. Alguns falam de “Ciência da Religião Engajada ou Aplicada". Em 1959 o judeu R. J. Werbolowski usou o termo “Estudos Religiosos Aplicados”. 

Para evitar possíveis equívocos, esclarecemos que os termos "Ciência da Religião Prática", "Ciência da Religião Engajada" ou "Ciência da Religião Aplicada" significam a mesma coisa. A nomenculatura muda, mas, os objetivos a serem atingidos e o métodos usados são os mesmos.  


Friedrich Max Muller (1823-1900), pai fundador da Ciência da Religião, expressou a visão tradicional:

Na vida prática seria errado adotar uma posição neutra entre pontos de vista conflitantes examinados [...]; nós devemos tomar uma posição. Mas como estudantes de Ciência da Religião, nos movemos em uma atmosfera elevada e mais serena. Estudamos o erro, como o fisiologista estuda uma doença, procurando por suas causas, rastreando sua influência, especulando sobre possíveis remédios [...]

A ciência pura e aplicada é uma distinção de ciência do Iluminismo e remonta ao químico e mineralogista sueco Johan Gottschalk Wallerius (1709-1785). Nesse aspecto, a distinção entre ciência pura e aplicada é crucial, para que possamos entender o alcance e os limites epistemológicos de cada um.

Entende-se por Ciência Pura, qualquer atividade em que o cientista é livre para seguir seus impulsos e intuições individuais em sua busca pelo conhecimento. Esse impulso do interior é controlado apenas pela consciência intelectual do pesquisador. O único contexto limitante externo controlando o progresso da pura descoberta científica é a própria natureza.

Já a Ciência Aplicada visa a aplicação do conhecimento para a solução de problemas práticos. Elas são importantes para o desenvolvimento tecnológico e identificam-se de maneira forte com o que se denomina tecnologia. Seu uso no cenário religioso (Ciência da Religião) é fundamental, pois, atua na resolução de diversos problemas concretas do homem.  

Daí conclui-se que, em Ciência Pura o objetivo é o “conhecimento” em si, o “conhecer por conhecer”, enquanto que, a Ciência Aplicada, tem sempre um fim desejado, cuja realização bem sucedida, subordina, em última instância, todo o resto, ou seja, as ciências aplicadas estudam as formas de aplicar o conhecimento humano, oriunda da ciência pura, para o benefício do próprio homem.

Assim, na Introdução do Compendio de Ciência da Religião (Parte V: Ciência da Religião Aplicada), Afonso Maria Ligorio Soares, cita UdoTworuschka, que afirma que no caso da Ciência da Religião, sua aplicação prática:

Vai além da percepção, descrição, e análise das ações dos autores. Ela se interessa pelas reais possibilidades de contribuir socialmente em vista da paz, da humanização e da mediação de conflitos culturais-religiosos, o que implica desistir de uma disposição catedrática de transferência “neutra” de conhecimento de cima para baixo, para investir fundo na vida cotidiana e seus problemas. (SOARES, 2013, p. 573).    

Nota-se que a Ciência da Religião Aplicada posicionou-se em alternativa ao paradigma da Ciência da Religião dos anos 1970, reduzida à pura Fenomenologia da Religião[1]. Atualmente ela é uma disciplina científica-cultural autônoma, que não está interessado se há uma verdade transcendental, mas sim, uma disciplina preocupada com a resolução de questões concretas do homem e da sociedade como um todo.

A Ciência da Religião Aplicada tem uma abordagem indutiva e usa métodos empíricos de pesquisa e usa como ciências auxiliares várias ciências humanas, o que lhe confere uma amplitude ainda maior. Essas ciências auxiliares analisam e apresentam as religiões sob aspetos específicos.

Entre elas destacamos algumas:

A Sociologia da Religião que se dedica ao estudo de questões entre a religião e a sociedade (religião e forma de organização social, religião e política, religião e camadas sociais ou religião e família);

A Etnologia da Religião que se dedica a pesquisa de religiões em sociedades do passado e menos complexas (análise de mitos e de formas de rituais);  

A Psicologia da Religião que se dedica ao estudo das relações entre o indivíduo e a religião, especialmente no plano da experiência individual das pessoas;

A Geografia da Religião que trata dos impactos mútuos entre religião e ambiente, analisando tanto o impacto da religião sobre o ambiente e vice versa;

A Economia da Religião que interessa por questões da relação entre religião e economia, enfocando tanto as condições econômicas como as consequências econômicas da atuação religiosa; [...]

Nesse aspecto, a Ciência da Religião Aplicada deve prestar conta sobre sua relevância social. Por isso, questiona-se muito sobre sua utilidade. Quanto a isso, nós os cientistas da religião já estamos conscientes dessa importância, mas, nunca é demais esclarecer equívocos históricos em torno da nossa disciplina.

Em primeiro lugar a Ciência da Religião é útil de modo pragmático, pois, ajuda na transmissão de conhecimentos sobre religiões e culturas, tanto no ambiente universitário (local onde ainda decorrem as discussões teóricas) assim como fora das universidades (locais de aplicação prática da Ciência da Religião);

A Ciência da Religião pode cumprir o papel de mediadora de conflitos inter-religiosos usando seus pareceres específicos, visando rejeitar interpretações errôneas, preconceitos, mal-entendidos em relação a outras tradições religiosas;

A Ciência da Religião cria novas possibilidades de reflexão crítica sobre nosso próprio ponto de vista por meio da vinculação do resultado de estudos científico-religiosos com a nossa própria cultura e religião na qual vivemos. O estudo de outras religiões nos impele a refletir sobre a nossa e a sermos mais tolerantes.  
  
Outra questão pertinente para a Ciência da Religião Aplicada tem a ver com o papel do pesquisador (o cientista da religião) no processo de pesquisa científico-religioso. Para responder essa questão devemos levar em conta dois fatores: o fator subjetivo e o objetivo.

O primeiro tem a ver com as condições estruturais para a realização das pesquisas que podem distorcer os resultados, como por exemplo, as características históricas, culturais e científicas de uma determinada época;

Por outro lado temos o posicionamento pessoal do pesquisador, que desempenha um papel importante na pesquisa científico-religiosa, quando, por exemplo, atitudes negativas ou positivas acerca da religião exercem seus efeitos sem que isso seja explicitamente levado em conta durante a pesquisa.

Para evitar que uma pesquisa seja comprometida, o cientista da religião deve estar comprometido com o princípio da abstinência de julgamento (suspensão do juízo, conhecido também como ateísmo metodológico) da suposta qualidade dos fenômenos religiosos investigados.  

Assim, nas suas investigações o cientista da religião:

Deve descobrir o que é religião, qual base ela tem com a alma do homem e quais as leis que seguem no seu percurso histórico;

Deve por entre parêntesis os seus interesses religiosos individuais e “assumir o ponto de vista do observador” norteado pelo objetivo de coletar, ordenar e categorizar fatos observados;

Deve adotar uma postura metodológica, em que tenha distanciamento necessário para analisar os fatos, evitando emitir juízos de valor que possam, comprometer os resultados finais, ou seja, o cientista da religião metodologicamente deve adotar o que se chama de agnosticismo e ateísmo metodológico.  

Sendo assim, no espectro da Ciência da Religião Aplicada, o trabalho do cientista da religião, não se restringe sua atuação ao mero registro e a mera recepção de dados pré-estabelecidos, mas, ao contrário, participar pessoalmente dos processos que conduzem à constituição do objeto da Ciência da Religião.  

A Ciência da Religião como área singular, o teor de sua aplicação pode ser variado, a depender das situações e dos sujeitos que a demandam:

O pedagógico que pretende educar e informar grupos e sujeitos;

O terapêutico que pretende direcionar posturas e comportamentos para metas humanas pré-estabelecidas;

O tecnológico que visa precisamente configurar novas condições históricas e institucionais.

Ainda podemos destacar a Ciência da Religião Aplicada às Relações Internacionais, à Educação Sociopolítica; ao Patrimônio Cultural; à Teologia; à Ação Pastora; à Psicoterapia.

Ao procurar por momentos da Ciência Aplicada da Religião no sec. XX encontramos três acadêmicos importantes: o teólogo  protestante alemão Gustav Mensching (1901-1978), o professor, historiador das religiões Mirceia Eliad (1907-1986) e o professor canadense de religião comparada Wilfred Cantwell Smith (1964-1973). Eles estão entre os mais conhecidos, mas provavelmente não são os únicos nessa disciplina.      

Referências:

CARL, Rogers; [et All]. Em busca de vida: da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. 2ª edição. Tradução de Afonso Henrique L. da Fonseca. SUMUS EDITORIAL LDA, 1983.   
Compêndio de Ciência da religião/ João Décio Passos; Frank Usarski (org.). - São Paulo: Paulinas, 2013.     
HOCK, Klauss. Introdução á Ciência da Religião. São Paulo – SP: Edições Loyola, 2010.  




[1] De acordo com Klauss Hock, “o objetivo da Fenomenologia da Religião é ordenar sistematicamente os distintos fenômenos religiosos, definir seus conteúdos religiosos e compreender, dessa maneira, a “essência” da religião. Na segunda metade do séc. XX, a Fenomenologia da Religião em sua forma tradicional se tornou alvo de fortes críticas. Por isso, os primeiros novos inícios são tímidos, renunciam deliberadamente a essa “contemplação” da essência e dirigem sua atenção à pergunta pelas suas intenções, com as quais pessoas atribuem aos fenômenos um sentido religioso, isto é, um sentido que é, para elas, obrigatório e inquestionável”. (HOCK, Klaus, 2010, p. 14).  

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O MISTÉRIO ETIMOLÓGICO DO TERMO "RELIGIÃO".



Muitas religiões tem narrativas, símbolos. tradições e histórias sagradas que se destinam a dar sentido à vida ou explicar a sua origem e do universo. Porém, não há consenso na definição do termo. Algumas definições clássicas devem ser mencionadas, pelo seu valor histórico e formador do campo semântico coberto pelo termo religião.

Religião, (do latim religare, de significado especulativo) é um conjunto de sistemas culturais, de crenças e visão de mundo que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e seus valores morais. 

Historicamente foram propostas várias etimologias para o termo religio
Cícero (106-43 a.C), na sua obra De natura deorum afirma que o termo se refere a relegere, reler, sendo caraterístico das pessoas religiosas que prestarem muita atenção a tudo que se relacionava com os Deuses  relendo as Escrituras.
Mais tarde Lactâncio (séc. III-IV d,C) rejeita a interpretação de Cícero e afirma que o termo religare, religar, argumentando que a religião é um laço de piedade que serve para religar os seres humanos a Deus.
No livro "A Cidade de Deus" Agostinho de Hipona (sec. IV d.C) afirma que religio, deriva de religare, "reeleger". Através da religião, a humanidade se liga de novo a Deus do qual separou. Mais tarde Agostinho na obra "De vera religione" retoma a interpretação de Lactâncio que via em religio uma relação com "religar".
Recentemente foi proposta um terceira variante: derivar religio de rem ligare, "amarrar a coisa", no sentido de descansar das inquietudes.  
O debate sobre a derivação certa do termo religião mostra que a definição do termo não é possível nos moldes de uma definição objetiva "dada", mas permanece vinculada a um contesto histórico-cultural específico.  

Com a Reforma, "religião" se torna um termo que desempenha uma função crítica: contra "superstição" e "magia", mas também contra a atuação cúltica da Igreja Católica Romana em seus serviços divinos que, aos olhos dos reformadores era errada.

No Iluminismo a religião aparece como um "todo" ideal que está presente nas religiões somente na forma truncada e insuficiente. A religião em si é tirada da competência da Crítica da Religião, já que em tal forma sem forma ela não pode ser verificada em nenhuma realidade existente. 

De lá para cá as coisas não mudaram muito (...) Vários pensadores (antropólogos, filólogos, sociólogos, psicanalistas, filósofos) sob uma perspectiva diferente continuaram refletindo sobre a religião, ou seja, sobre a importância da religião na vida das pessoas: 
No final do séc. XIX o antropólogo Edward Burnett Tyller (1832-1917) define religião, como a crença em seres espirituais;
O filólogo e pai da Ciência da Religião Max Müller (1823-1900), afirma que a religião é a habilidade e experimentar o infinito no finito;  
Para o antropólogo Malinowski (1884-1942), a religião ajuda as pessoas a suportarem "situações de pressão emocional abrindo fuga a tais situações e tais impasses que nenhum outro caminho empírico abriria, exceto através do ritual e da crença no domínio do sobrenatural". Para ele: "a esperança não pode falhar nem o desejo de enganar".  
Segundo Malinowski (1988): 
[...] em tudo a religião contraria as forças centrifugas do medo, da dor, da desmoralização e proporciona o meio poderoso de integração da abalada solidariedade do grupo e de restabelecimento  da sua moral. Em breves palavras, religião garante a vitória da tradição e da cultura sobre as reações negativas do instinto perturbado.   
Para Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês "a religião é um conjunto de práticas e representações revestidas de caráter sagrado. Segundo ele, a religião também pode ser definida como "um sistema solidário de crenças e práticas relativo as entidade sacras, quer dizer, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem em uma mesma comunidade moral, chamada de Igreja, a todos que aderem a ela". 
O psicanalista Erik Erikson (1902-1994), define a religião em seu estudo sobre o jovem Lutero como uma forma de tradução em palavras, imagens e códigos significativos do excesso de obscuridade que envolve a existência humana;
Byrne, um estudioso dedicado a analisar e criticar definições de religião, propõe uma definição em uma vertente moral. Segundo ele:

 [...] Uma religião é um sistema simbólico (quando associado com crenças e práticas) que articula o pensamento de que há uma fonte de moral por trás do mundo, e que o pensamento de que os reinos dos valores e dos fatos estão, em última análise unidos. 
Embora seja notório que as definições em si estabelecem, se forem cuidadosamente construídas elas podem, por elas mesmas, fornecer uma orientação útil do pensamento, de forma que desenrolá-los pode ser um caminho efetivo para desenvolver e controlar uma linha nova de pesquisa. Elas tem a virtude muito útil de serem explicitas: elas se comprometem de uma forma que a prosa discursiva não assume, pois, sempre está disposta a substituir o argumento por uma retórica, especialmente neste campo.

Nesse aspeto, a definição de religião do antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) é de extrema importância, pois, sua definição é apontado por muitos estudiosos como sendo a definição da religião (ainda que muitos a critiquem), que facilita as ideias modernas de tolerância e diálogo entre as religiões hoje existentes.

Segundo ele, a religião é:
(1) um sistema de símbolos que atua para;
(2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da;
(3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral, e;
(4) vestindo essas concepções com tal aura de factualidade que;
(5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.  
Como se pode ver através da leitura atenta da definição, ela contemplada algumas caraterísticas básicas das religiões (símbolos, valores, normas, crença em divindades, submetendo-se aí, mitos e rituais). Com isso acaba sendo a perspetiva sobre o tema que fornece elementos à visão dominante no ocidente, nos meios de comunicação, nas escolas e mesmo na educação familiar. 

Devemos estar conscientes do fato de que "religião" tanto no que se refere à definição de seu conteúdo como a respeito das suas funções, está atualmente submetida a uma rápida mudança e profundas transformações. Religião, política, esporte como religião, religião na cultura popular, religiões e meios de comunicação, nova religiosidade, New Age etc. Seriam alguns tópicos que indicam esse tipo de transformação. Essas mudanças e rupturas poderiam nos obrigar a procurar por um novo termo religião que reflita de modo adequado a situação transformada. 


Do ponto de vista filosófico encontramos ao longo da história, pensadores que refletem sobre o conceito de religião, não tendo como objeto sua origem etimológica, e sim a natureza de sua origem, em destaque a origem naturalista, a psicológica e a social.

O primeiro teorizador da origem naturalista da religião foi Epicuro. Para ele, o facto de o homem não conhecer devidamente a natureza nem conseguir controlar um grande número de fenômenos naturais, leva-o a acreditar na existência de seres que tudo sabem e tudo podem fazer em seu próprio proveito. 
O primeiro teorizador da origem psicológica da religião foi Sigmund Freud. Para este autor, a religião nasce do facto de o homem não conseguir dominar a imensa complexidade de forças contrastantes que atuam dentro de si mesmo e é naturalmente levado a convencer-se da existência de um ser todo poderoso, cujo poder se faz sentir dentro de si mesmo, para que se coloque em tudo na sua dependência. 
O primeiro teorizador da origem social da religião foi Emile Durkheim. Para este autor, "a sociedade contém todos os ingredientes para fazer despertar nos seus membros o sentido do divino". A sociedade é um "grande pai", que impõe a sua vontade a todos os "filhos" e tudo dirige para manter a sua autoridade sobre a vontade dos indivíduos. Com base na predisposição para a obediência, assim gerada entre os seus membros, a sociedade tudo faz para canalizar este estado de espírito em proveito da sua estabilidade.
Já para o  teólogo e filósofo Giordano Bruno (1548-1600)  e o historiador, poeta, diplomata Maquiavel (469-1527) defendiam que a Religião em si mesma representa a forma espontânea de vida em sociedade por parte do povo simples e constitui a mais lídima expressão do seu desejo de justiça, do seu amor à liberdade e da sua adesão espontânea aos bons costumes.


Segundo o filósofo Alemão Feuerbach (1804-1872), a religião não é mais do que uma manifestação do homem enquanto tal, cuja dimensão e poder ultrapassam em muito as dimensões concretas e capacidades próprias de cada indivíduo em particular.

Segundo o filósofo Alemão Nietzsche (1844-1900), a religião é uma expressão natural e intrínseca ao homem, reflexo dum "poder de ser", que o habita e ultrapassa tudo quanto na sua existência, pelas práticas habituais, é posto em ação. A religião situa-se ao nível duma experiência do incomensurável, que penetra o mais profundo do ser humano.


Origem etimológica do termo "religião" sob a perspetiva do Cientista da Religião, Frank Usarski



Referências


DALGALARRONDO, Paulo. Religião, psicopatologia e saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2008.
OLIVEIRA, Altemar. Compendio de Teologia e Religião. 1a edição. 2014.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1 ed. - Rio de Janeiro: LTC, 2014.
HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. Tradução de Monika Ottermann. Edições Loyola, São Paulo, Brasil 2010.