Compreender Deus em sua totalidade é preciso primeiramente compreendê-lo no espírito humano como Ser Absoluto e Supremo, Ser existente e não negado na esfera racional. Portanto, se Deus é o ser que existe na razão, deve-se analisa-Lo filosoficamente e, por meio da reflexão racional e posteriormente a afirmá-lo no espírito. Ao afirmá-Lo no espírito o que constitui a essência da nossa espiritualidade, podemos aferir que Deus não pode ser negado e passa a existir de Forma Absoluta contra qualquer dúvida. Por isso, nos próximos parágrafos refletiremos sobre um dos problemas fundamentais da Filosofia da Religião, ou seja, a existência de Deus.
A existência de Deus: um dos problemas fundamentais da Filosofia da Religião
Em nosso entender,
qualquer texto sobre Filosofia da Religião impõe-se como tarefa inicial
clarificar suas formas de expressão e a de indicar seus principais temas. Nesse
aspecto tanto uma como outra, ou seja, ‘Filosofia’ e ‘Religião’ são conceitos
considerados polissêmicos, mas, segundo Paine (2013, p. 101) “longe de ser um
sintoma de indefinibilidade, é antes marca de hiperdefinibilidade tal
abundância de definições”. Isso é de certa forma corroborado por Kolakowski (1927-2009) em sua obra Philosophie de
la religion
publicada em 1985. Nessa obra, segundo Pena (1999,p.23), “nem a
filosofia nem a religião dispõem de conceitos claros e bem definidos, no
sentido de terem sua aceitabilidade consagrada por todos os especialistas”,
mas, em nosso entender, essa ‘indefinibilidade’ ou ‘hiperdefinibilidade’ é
muito mais discutida quando se trata da religião, “afinal, seja em termos
histórico-etimológico seja em termo de teorização contemporânea, não há unanimidade
ou equívoca universalidade acerca daquilo que se quer dizer com religião” (AHN apud PICH, 2013, p. 143). Entretanto, ao
relacionarmos historicamente os dois conceitos é possível segundo Paine (2013)
elencar três tentativas, a saber: (1) filosofia é religião (identidade), ou
seja, uma aproximação íntima que se assemelha a uma fusão; (2) filosofia e
religião (paralelismo), saberes distintos e inconfundíveis, tanto no método
quanto no conteúdo; (3) filosofia na religião (teologias e metafísicas religiosas)
uma vez que a cooperação entre ambas gerou grandes teologias, tanto no
entendimento da primeira como serva da segunda, no caso do cristianismo, como
também em correntes comparáveis como o Judaísmo e o Islã.
Para clarificar as
formas de expressão e indicar os principais temas em torno da Filosofia da
Religião, foram trabalhados inicialmente autores como Grondin, Schaefler,
Bilimoria, Taliaferro, Plantinga, Philips, e, posteriormente outros como, Paine,
Pich, Graham Oppy, Nancy K. Frankenberry, Schilbrack, Yujin Nagasawa, só para citar alguns exemplos que foram
abordados no sentido de entender como a Filosofia da Religião vem se
posicionando face às outras disciplinas já consolidadas e qual tem sido seu
papel na fundamentação epistemológica da Ciência da Religião, pois, como se
sabe, ela pode ser entendida como análise e justificação dos fundamentos
filosóficos da religião em geral tendo em conta seu interesse por todas as
religiões e formas de religiosidade inclusive as contemporâneas. Isso fica
explícito a partir do que é afirmando por Taliaferro, pois, segundo ele,
A filosofia da religião explora
questões filosóficas que nascem da reflexão sobre a natureza e a verdade da
crença religiosa e sobre os significados da experiência religiosa. [...]
relaciona-se integralmente com a metafísica, a epistemologia, a ética, a
filosofia da mente e outras áreas, das quais a história da filosofia não é uma
das menos importantes [...] (TALIAFERRO, 2009, p. 445).
Ainda segundo o
mesmo autor, a diversidade religiosa levou muitos a repensar suas crenças
particulares e atualmente o estudo da Filosofia da Religião tem crescido
bastante com o estabelecimento de novos periódicos dedicados a essa disciplina
(Ibid.). Entretanto, como disciplina autônoma de fato, ela afirmou-se somente a
partir do séc. XVIII, distanciando paulatinamente da Metafísica e da Ética,
muito embora, acredita-se que o diálogo entre ambas é tão antigo como a própria
filosofia. Então, pode-se considerar que ela é uma reflexão sobre o ‘fenômeno’
religioso, tendo em conta que está presente em todas as culturas. Nesse sentido
segundo Grondin (2012) a primeira tarefa da Filosofia da Religião é redescobrir
as indagações para as quais a religião é uma resposta, pois, acredita-se que
ela oferece respostas sólidas sobre a existência. Por isso, ela reflete e
questiona se a forma prática de vida que se designa como ‘religião’ é
racionalmente plausível e o que se pressupõe como realidade é verdadeiro. Croatto
(2010, p. 22) destaca Hegel (1778-1831) como sendo o precursor moderno da
Filosofia da Religião e reconhece seus antecedentes em Kant (1724-1804), o
impulso dado por Schleiermacher (1768-1834) e Schelling no séc. XIX, assim como
a contribuição de Ricoeur (1913) e Henry Duméry (1920-2012). Ambos legaram
obras importantes para a Filosofia da Religião.
De acordo como
Frankenberry (2016), atualmente é possível identificar três trajetórias
distintas em Filosofia da Religião, a saber: 1) o estudo comparado das
tradições religiosas através do emprego de uma pluralidade de metodologias e
perspectivas filosóficas; 2) uma abordagem centrada nos argumentos sobre a
existência de Deus; o problema da linguagem religiosa; os desafios do
positivismo lógico; e, o problema do mal; 3) e, finalmente, uma terceira
abordagem em que a Filosofia da Religião formou alianças com áreas como método
e teoria no estudo da religião, ética e o estudo científico-social da religião.
Nessa pesquisa termos como foco, a segunda abordagem, mais especificamente,
como referimos no título acima refletiremos sobre o tema A existência de Deus como sedo um
dos problemas fundamentais na história da Filosofia da Religião, embora
Schilbrack (2014) em seu artigo What is
philosophy of religion afirme que este assunto não deve ser limitado apenas
a afirmações sobre Deus, mas também deve incluir as reivindicações filosóficas
de religiões politeístas e não-teístas, tendo em conta que, “o raio de ação da
Filosofia da Religião é muito mais amplo, pois, terá de tomar posição em face
de todas as filosofias que ocasionaram violência e foram redutivas em relação à
religião” (TERRIN, 2003, p. 32). O conceito de Deus, segundo (ZILLES, 2004, p.
11) é um dos mais antigos, mais universais e mais fecundos do patrimônio
cultural da humanidade. Por isso, esse tema sempre preocupou os filósofos desde
a filosofia pré-socrática até nossa era, esse assunto tem sido amplamente
discutido principalmente por teólogos e filósofos da religião. Nesse aspecto,
os que atacam os argumentos a favor da existência de Deus criticavam sua forma
argumentativa; e, os que defendiam, aceitavam sem sentido implícito.
Entretanto, essa questão continua em aberto, pois, ela não foi solucionada, e,
apesar dos argumentos de ambos os lados pode-se concluir que se não há provas
da existência de Deus, também é verdade que não existem provas da sua não existência.
No entanto, é plausível afirmar que, “poucos argumentos na história da
filosofia produziram tanto debate quanto essas famosas tentativas de defender a
Deus sem fazer referência à experiência sensível” (WILKINSON, 2014, p. 136).
Se consideramos
que a filosofia teve início com os assim chamados pré-socráticos, cujo
principal objeto de estudo era a natureza, em Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) assistimos
uma mudança de objeto de estudo que passa a ser o homem, em seguida Platão (427/347 a.C.) criou o mundo das ideias e
finalmente Aristóteles (384 a.C./322
a.C.) trouxe ao mundo real as concepções ideais do mundo das ideias do
seu mestre. Mas, neles todos é possível verificar que a reflexão sobre Deus não
passou despercebido a começar por Talles de Mileto (624 a. C.- 546
a.C.) a quem se atribui a célebre passagem segundo a qual “tudo está cheio de
deuses” ou ainda a célebre frase de Heráclito de Éfeso (535
a.C. - 475 a.C.) convidando os visitante a entrar em sua cozinha: einai gar kai enthautha theus, “pois, aqui também existem deuses” (LANGLOIS, et al 2009, p. 14). Superando o
período clássico veio a Idade Média onde surgem vários filósofos tentando
provar a existência de Deus, muitas vezes com argumentos difíceis de serem entendidos.
Entre eles podemos citar o argumento
ontológico de Santo Anselmo[2]
(1033-1109) e as cinco vias da prova da
existência de Deus São Tomás de Aquino (1225/1274).
Lentamente chegamos a Descartes (1596-1650),
Pascal (1623-1662), Hume (1711-1776),
Kant (1724-1804), e, finalmente, Nietzsche
(1844-1900) e seu pensamento cético, tendo ele, segundo Pena (1999), proclamado
no final do século XIX a morte de Deus, e, essa conclusão Nietzschiana “foi
acompanhado de um processo de distanciamento da filosofia ocidental da religião
e da Filosofia da Religião e, finalmente, surgiu o pensamento analítico que
parecia destruir tudo” (ZILLES, 2004, p. 45), pois, ele argumentara que, não haveria
lugar para Deus num século totalmente dominado pela relevância alcançada pela
ciência [...] o mundo já dominado pelo pensamento mecanicista, não oferecia
mais espaço para reflexões do estilo teológico ou metafísico (PENNA, 1999,
p.17). Entretanto, ele seria superado pelo pensamento existencialista de Sartre
(1905-1980), e, contrariamente à
Kierkegaard (1813-1855)
que colocara o homem diante de Deus e da sua eternidade, Sartre afirmava que o homem
é uma paixão inútil que está entregue a sua própria sorte e é o único
responsável pelo seu próprio destino.
Diferente de Anselmo, Aquino e Descartes, Blaise Pascal não acredita nas
provas sobre a existência de Deus, e questionava: afinal, Deus existe ou não existe.
Para que lado pendemos? Ele não pretendeu chegar a Deus
através de provas racionais, mas, a partir do funcionamento do homem,
recorrendo ao paradoxo, ou seja, a dualidade entre a sua miséria e a sua
grandeza. Em sua Apologia destaca-se a tentativa de compreender a natureza
humana através de sua procedência divina e a tentativa de compreender algo de
Deus através de Sua imagem impressa no coração do homem. Daí, a existência
contraditória representada pela nobreza da criatura divina e na abjeção, por
ter renegado a Deus. Desde Pascal, costuma-se opor o Deus dos Filósofos ao de
Abraão, Isaac e Jacó. Para ele, o primeiro seria o de Descarte ou o de
Espinoza, ou seja, um Deus racional que funda o cálculo metódico que criou o
mundo e o homem, enquanto que o segundo seria o Deus que toca o sujeito no seu
íntimo. Pascal nega categoricamente a possibilidade de provar a existência de
Deus através dos argumentos ditos racionais, pois, para ele, por mais que sejam
belos e bem elaborados, eles serão sempre insuficientes, e sustenta que,
Se há um
Deus, ele é infinitamente incompreensível, uma vez que, não tendo as partes nem
limites, não tem qualquer comparação conosco. Somos, pois, incapazes de
conhecer, quer aquilo que ele é, quer se ele é. Assim sendo, quem ousará
compreender a tarefa de resolver essa questão? Não somos nós, que não temos
nenhum ponto em relação a ele (PASCAL, 2005, p. 159).
Para os que acreditam
que seja possível provar Sua existência racionalmente, Pascal, insiste em
sustentar as limitações da razão, pois, segundo ele, “a razão nada pode
determinar a esse respeito” (ibid.), uma vez que, ela é fraca, insuficiente e
limitada, e, só nos proporciona o conhecimento do milieu (meio). Segundo ele,
Conhecemos, pois, a existência e
a natureza do finito porque somos finitos e extensos como ele. Conhecemos a
existência do infinito e ignoramos a sua natureza porque ele tem extensão como
nós, mas não tem limites como nós. Mas, não conhecemos nem a existência nem a
natureza de Deus porque ele não tem nem extensão e nem limites (PASCAL, 2005,
p. 159).
Entretanto, ele defende que, pela fé conhecemos Sua existência e pela
glória sua natureza, mas, isso só será possível através da Aposta, pois, ao
invés das demonstrações racionais ele defende as provas históricas do
cristianismo e o raciocínio que ressaltam a razoabilidade da doutrina da Queda,
por isso, sua Aposta não visa provar a existência de Deus, mas levar o
incrédulo a aceitar que é melhor apostar na Sua existência do que na Sua não
existência, pois, quando se aposta contra o infinito (Deus) perdemos sempre,
então, para Pascal, “é preciso apostar” (ibid.). A Aposta, segundo ele, é a atitude mais
racional, pois, aquele que aposta na existência de Deus não tem nada a perder e
tudo a ganhar, a salvação e a vida eterna, por isso, é preciso olhar para
aquilo que traz maior benefício. Ele afirma que não temos escolha entre o
acreditar ou não, pois, se “você vence, você ganha tudo, mas se você perde,
você não perde nada. Assim, sem hesitar, aposte que Ele existe”(Ibid.).
Entretanto, para alguns críticos, a Aposta de Pascal é uma falácia
argumentativa denominada falso
dilema, em que se tenta restringir o número de possibilidades quando, na realidade
há muitos outros. Entre eles pode-se citar o britânico Richard Dawkins (1941),
ateu confesso que, em seu entendimento, a Aposta de Pascal, só poderia ser,
quando muito, um argumento para se fingir a crença em Deus, pois, segundo ele,
o acreditar não é algo que esteja sujeito à decisão, um rumo por que se opta
(DAWKINS, 2018). Matt Dillahunty (1969) ex-presidente da Atheist Community of Austin é outro ateu que afirma que a Aposta é uma
falsa dicotomia, pois, ela ignora todas as outras possíveis religiões, ignora
outros paraísos e outros infernos, faz a afirmação de que adorar e acreditar
não custa nada, presume que a crença esteja sujeito ao arbítrio e que,
determinando que se tenha uma aposta segura, e que se pode ir adiante e
escolher acreditar, e, por isso, é uma das coisas mais ridículas. Entretanto,
muitos cristãos acreditam que Aposta de Pascal, reforça e incute nos crentes a
coragem para decidir em prol da existência de Deus.
Mais recentemente,
e ainda versando sobre essa questão na tentativa de superar as diversas visões
que os crentes, filósofos e cientistas têm em relação a Deus, na introdução da
obra Abordagens Científicas da Filosofia
da Religião, Nagasawa (2012) reflete sobre a questão da existência de Deus
e usa os seguintes termos O Deus de
Abrão, o Deus dos filósofos e o Deus dos cientistas. Segundo ele, na
primeira é chamada de abordagem sobrenatural, pois, os crentes tentam
compreender a existência e natureza de Deus através de meios sobrenaturais, na
segunda os filósofos tentam compreender a existência e natureza de Deus através
do pensamento racional e analítico, e, na terceira, ou seja, na abordagem
científica, os cientistas tentam compreender a existência e natureza de Deus,
apelando para a pesquisa empírica e estudos científicos. Esta é uma
interessante combinação das duas abordagens tradicionais acima. Nesse aspecto,
segundo Hock (2010, p. 15), “uma perspectiva de cooperação entre a Ciência da
Religião e a Filosofia da Religião está se abrindo no esforço partilhado em
prol de uma linguagem científica comum, com base em padrões e modos de
procedimento metodologicamente claros”.
Palavras
finais:
Depois
de tudo o que foi investigado e escrito, não restam dúvida, sobre a importância
da Filosofia da Religião como área de conhecimento que reflete sobre questões
cruciais entre Filosofia e Religião, mas, seu objetivo não é tornar as pessoas
religiosas, pois, o trabalho dos filósofos não visa doutrinar o público,
ensinar ou incentivar as pessoas a serem crentes, principalmente no que tange a
existência ou não de Deus, pois, o desejo de conhece-Lo é como a busca de um
cego a caminho do desconhecido, e, partindo de uma frese de Lessing, um suspiro
sem palavras dirigido a Deus é a melhor maneira de adorá-Lo. Mas, torna-se
inevitável não concordar com a sentença Nietsche sobre a morte de Deus, pois,
ele sustenta que com isso a história do Ocidente atinge o ápice do niilismo, embora vozes contrárias dizem
que Ele esteve, está e estará sempre presente nas pequenas ações e coisas simples,
e, os mais otimistas não duvidam que estudos hoje clássicos mostram a influência
da ideia de Deus e as concepções teológicas exercem sobre a ciência importantes
influências, por isso, muitos defende que Deus é a maior ideia inventada pelo
homem, mas, dele pouco ou nada sabemos, pois, Ele escapa à verificação
científica, a ordem do ser e nossa linguagem será sempre insuficiente na sua
tentativa de expressar o inefável.
Referências
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introdução à fenomenologia da Religião. – 3ª ed. – São Paulo: Paulinas,
2010.
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Monika Otterman. - São Paulo: Edições Loyola, 2010.
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- (Coleção Religião e Cultura)
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da Religião. Michel B. Wilkinson; Hugh N. Campbell. – São Paulo:
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ZILLES, urbano. Crer
para compreender. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
[1] Doutorando em Ciências da
Religião – (PUC-SP) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; bolsista da
CAPES. E-mail. arlindonascimentorocha@gmail.com.
[2] Segundo Pena (1999, p. 70), um
dos argumentos mais discutidos, mais criticados é, todavia, mais presentes em
toda a história da filosofia, é o argumento ontológico proposto por Santo
Anselmo de Canterbury. Parte-se de uma afirmação de que Deus é um ser perfeito,
daí decorrendo a necessidade mesma de sua existência [...] a rejeição do argumento
foi enfaticamente efetuada por Kant, quando denunciou não ser a existência um
predicado [...].