Por: Vanildo Luis Zugno[1]
Nada. Não
faça nada! Se você fizer qualquer coisa, é muito provável que faça bobagem. Ou
que o que você venha a fazer seja considerado por outras pessoas como uma
grande bobagem. O risco é grande. Então o melhor é não fazer nada!
E há várias
razões para não fazer nada. A primeira e fundamental, é que ser gay é normal.
Já passou o tempo em que se considerava que homossexualidade era doença. A
medicina, a psicologia e os estudos antropológicos coincidem em afirmar que a
homossexualidade é uma das formas de o ser humano viver a sua identidade de
gênero e a sua vida sexual. Em todos os tempos e lugares, sempre houve uma
parcela da população – masculina e feminina – que viveu e expressou sua
condição homossexual. O modo como as diferentes culturas aceitaram esse grupo
social é que variou e varia nos tempos e lugares. Enquanto em algumas culturas
a homoafetividade e a homossexualidade eram reprimidas e consideradas uma
maldição, em outras, foram vistas como uma bênção dos deuses para a comunidade.
Hoje, em pleno século XXI, só os fundamentalistas religiosos e as tendências
políticas conservadoras e autoritárias ainda consideram a homossexualidade um
pecado, doença ou ameaça para a sociedade. Então, se seu pároco é gay e você se
considera uma pessoa normal, civilizada, culta, vacinado e imunizado contra os
totalitarismos religiosos e políticos, fique calmo! Ele é uma pessoa normal e
não há necessidade de você se preocupar com a sexualidade do padre.
Em segundo
lugar, uma boa razão para você não fazer nada, é que o bispo já sabe que o
padre é gay. Não precisa contar prá ele e nem pros outros padres. Se você se
deu conta que o padre é gay, é praticamente certo que os colegas dele, os
outros padres, assim como o bispo dele, também saibam que ele o é. E mais: é
quase certo – eu diria, quase impossível que não! – que o bispo sabia, antes
mesmo de ordená-lo, que ele era gay. Afinal, para ser padre é preciso passar
por pelo menos oito anos de formação nos seminários. E, em oito anos, é
impossível não conhecer uma pessoa e saber que ela é gay. Só não vê quem não
quer... Se os formadores e o bispo não quiseram ver, aí o problema já não é o
padre e sua homossexualidade. O problema é a incapacidade ou falta de vontade
de considerar a afetividade e a sexualidade como fator importante na formação
de um padre. E se eles sabiam e mesmo assim o ordenaram, é porque acreditavam
na possibilidade e capacidade de uma pessoa gay ser padre e pároco. Aí o
problema é você e sua intolerância a um fato aceito pela hierarquia da Igreja.
Mas você
poderá dizer: “o problema é que o padre tem um namorado”! Fique tranqüilo:
padres heteroafetivos e heterossexuais também têm namoradas. E alguns até tem
filhos e filhas. E a maioria – se não todos – os padres e bispos sabem disso e
tentam administrar estas situações. Alguns o fazem com mais e outros o fazem
com menos habilidade dando lugar a escândalos que são exacerbados pela mídia em
busca de audiência. Outros, a maioria, passam imperceptíveis e a vida nas
paróquiais continua normal como se nada tivesse acontecido. No máximo, no final
do ano, o padre é transferido para outra paróquia. Então, se é possível
administrar as namoradas dos padres héteros, por que não administrar os
namorados dos padres homos?
E,
convenhamos, se nos despirmos de preconceitos e olharmos friamente, há muitos
padres que convivem informalmente com uma mulher ou com um homem que são muito
melhores párocos e pastores do que aqueles que seguem rigidamente as normas do
celibato. E os paroquianos, também se pode constatar empiricamente,
aceitam com muita tranqüilidade um padre em sua situação canonicamente
irregular quanto ao celibato, desde que ele seja alguém que atende com carinho,
préstimo e atenção os fieis que lhe foram confiados. Como ouvi recentemente
numa Paróquia em que fui convidado para uma palestra: “Todo mundo sabe que o
padre vive com a... Mas ele é um bom padre. Ele atende todas as pessoas com
muito carinho e está sempre disponível para a comunidade. Prá nós está bem
assim. A gente gosta dele e ninguém se importa de ele viver com a mulher dele.”
Voltando ao
caso do pároco gay, eu diria que, se você considera que a homossexualidade não
é doença e você está ciente de que o bispo sabe que seu pároco é homossexual,
você não tem nenhuma razão em se preocupar com isso e se perguntar o que fazer.
Retifico. Se esse for o caso, acho, sim, que você deve ter uma preocupação. Mas
é bem outra... Sinceramente, acho que você deve perguntar-se por que o fato de
o padre ser homossexual o incomoda tanto. Será que é o jeito dele viver a
sexualidade diferentemente daquilo que é considerado padrão pela sociedade que
incomoda você? É a diferença dele que lhe perturba? Ou talvez você se perturbe
por existir a hipótese de que você gostaria de ser como ele e não tem coragem?
Em qualquer
uma destas hipóteses, o problema já não é o padre que é gay. O problema e
outro: é a dificuldade que temos, nos ambientes cristãos e católicos, em falar
sobre afetividade e sexualidade. E não só dos padres, mas de toda a comunidade
cristão. E isso, sim, é um problema grave pois a salvação não passa só pela
alma. Ela também perpassa nosso corpo, nossos sentimentos e nossas relações.
FONTE:
[1] Frei
capuchinho. Graduado em Filosofia (UCPEL – Pelotas) e Teologia (ESTEF – Porto
Alegre), mestre em Teologia (Université Catholique de Lyon – França), é
professor de Teologia na ESTEF e no UNILASALLE (Canoas) e doutorando em
Teologia na EST (São Leopoldo).
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