PAINE, Scott Randall. Filosofia da religião. In: Compêndio de Ciência da Religião/ João Décio Passos, Frank Usarski (Org.). – São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.
Slidshare:
Dados biográficos
Professor e pesquisador associado
da Universidade de Brasília, com estudos na Universidade de Chicago (1970-71),
possui graduação em Latim e Literatura Latina pela Universidade de Kansas
(1974), Graduação em Filosofia e Teologia, Mestrado (1982) e doutorado (1988)
em Filosofia pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino. Experiência nas
áreas de Filosofia, Teologia e Ciências da Religião, com ênfase em Filosofia
Medieval, Filosofia Oriental, Metafísica, Teologia e Filosofia Comparadas.
Pesquisador visitante na Universidade Nacional de Cingapura em 2007 e no Centro
para o Estudo das Religiões Mundiais da Universidade de Harvard em 2013.
INTRODUÇÃO
ü
A FILOSOFIA
DA RELIGIÃO não surgiu do dia para a noite, foi um processo onde é possível
identificar caminhos [paralelos – divergentes – convergentes].
ü
O
objetivo desse artigo é examinar a relação histórica e problemática entre RELIGIÃO
e FILOSOFIA que deram origem a FILOSOFIA DA RELIGIÃO:
1.
No
PRIMEIRO momento -
reflete sobre a complexa realidade conceitual de cada termo, mostrando a
dificuldade na definição objetiva de cada um;
2.
No
SEGUNDO momento -
investe na procura dos antecedentes da filosofia da religião;
3.
No
TERCEIRO momento -
aborda a filosofia no mundo anglo-saxão; seguida da filosofia continental da
religião;
4.
E,
finalmente faz uma
análise sobre a filosofia comparada da religião e a filosofia da religião no
Brasil.
Seu surgimento da remonta dois fatos
históricos:
Estudo não confessional da religião
a partir do século XVIII; em perspectiva histórica, linguística, antropológica,
sociológica e psicológica;
Surgimento de novos estudos de
religiões pouco conhecidas;
Na filosofia
contemporânea ressurge o interesse reanimado:
pela crença e fenomenologia da experiência e
linguagem religiosas;
Pelo problema do mal e da liberdade
humana;
Pelos argumentos sobre a existência de
Deus ou não.
ORIENTAÇÕES CONCEITUAIS
Para o autor a Filosofia da Religião
se estrutura em torno de quatro eixos:
Ø
Discussão
da existência e natureza de Deus ou de algo transcendente;
Ø
A
justificativa da crença, a experiência religiosa, a mística e os milagres;
Ø
O
problema do mal e do livre arbítrio;
Ø
As
estruturas religiosas, cognitivas, morais e rituais, ou o credo, o código e o
culto.
ANTECEDENTES DA
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
Ao relacionarmos os
conceitos de FILOSOFIA e RELIGIÃO, podemos elencar três
tentativas, a saber:
1.
Filosofia
é Religião (identidade),
ou seja, uma aproximação semelhante a uma fusão;
Pode ser identificada de duas
formas:
ü
Em
certas correntes do budismo, do neoplatonismo, no positivismo comteano e nas
formas pragmáticas do marxismo;
ü
Correntes
religiosas que reclamam somente à revelação ou a uma intuição mística, todos os
direitos de conhecimento fidedigno acessível ao homem.
2.
Filosofia
e Religião (paralelismo),
saberes distintos e inconfundíveis, tanto no método quanto no conteúdo;
Os dois conceitos afastam um do
outro:
ü Distinção e distância estabeleceram-se
como caraterísticas dessa relação;
ü Ambas costumam ser vistas como
inconfundíveis tanto no método quanto no conteúdo.
2.
Filosofia
na Religião (teologias
e metafísicas religiosas), a cooperação entre ambas gerou grandes
teologias.
ü a cooperação entre ambas, no Ocidente
gerou grandes teologias, (cristianismo, Judaísmo e Islã).
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
No mundo moderno, a Filosofia
começou a ter a Religião como objeto de reflexão e aponta três razões.
ü
Primeiro:
no século XV – Cisma da cristandade entre Oriente e Ocidente; surgimento de
denominações protestantes; a religião deixou de ser identificada com uma única
igreja;
ü
Segundo:
a chegada de novas fontes de informação sobre o oriente no século XVII através
dos Jesuítas.
ü
Terceiro:
surgimento das ciências modernas: ataques ao pensamento religioso/teológico
levaram ao amadurecimento da reflexão sobre a origem desse fenômeno.
Nos séculos XVI e XVII,
vários pensadores tentaram estudar a religião enquanto tal, com um olhar
filosófico, mas com pouco impacto.
Exemplos:
ü
Jean
Bodin (séc. XV);
ü
Pedro
Abelardo, Raimundo Lulio (séc. XIII);
ü
Nicolau
de Cusa (séc. XV).
ü
No
século seguinte H. Cherbury, publicou suas Cinco noções comuns,
que ofereceram outro caminho pela formulação de teses abstratas e universais.
Outras interpretações tentaram dar um
valor aos pormenores da crença:
ü
Bernard
Fontenelle (séc.
XVIII) sugeriu que a religião como uma espécie de protociência [esforço
racional], mas da parte de pessoas não instruídas pela ciência moderna;
ü
Giambattista
Vico (séc. XVIII)
valorizava o aspecto poético e imaginativo caraterístico das religiões como
válida, mas, não valorizada de conhecimento...
Com David HUME e outros
filósofos do séc. XVIII
- questões sobre religião começaram a universalizar com um viés mais crítico.
Para ele:
ü Os milagres não merecem crença da parte
do homem;
ü Os argumentos sobre a existência de Deus
eram refutáveis;
ü
A
origem da religião seria atribuível a projeções de agência humana em poderes da
natureza ainda não conhecidos cientificamente.
ü
Um
século depois [XIX], MARX afirmará que “a crítica da religião
é a pré-condição de toda a crítica futura” [...]
ü
LEIBNIZ [vê a religião com bons olhos] –
escreveu em 1710 um Discurso preliminar sobre a conformidade da fé com a
razão;
ü
No
final do século KANT daria um valor positivo à religião [o instinto
moral humano pode explicar o surgimento das crenças, que serviriam como
defensores da moral]:
Em KANT, a redução
da religião à moral teve como meta transformar o ser humano e não apenas no
agir.
HEGEL e COMTE integram a religião nos
seus sistemas filosóficos:
ü
No
primeiro caso, etapa necessária para o idealismo hegeliano, como estágio de
emergência do Espírito Absoluto;
ü
No positivismo comteano, como etapa separada
no progresso rumo a formulação do positivismo como a religião da
humanidade.
ü
SCHLEIERMACHER valoriza a religião positivamente, mas
de maneira não teórica.
Obs: enquanto KANT pretendeu explicar a religião
deixando os fatos religiosos concretos desprovidos de interesse, HEGEL,
COMTE e SCHLEIERMACHER, valorizaram os fenômenos particulares, fazendo de
um filosofar sobre a religião uma autentica Filosofia da Religião.
FEUERBACH, KIERKEGAARD, FREUD, MARX, ambos a sua
maneira refletem sobre o “fenômeno”:
ü
FEUERBACH – vê no cristianismo, uma filosofia do
homem, ou seja, algo integral à realidade humana que requer reflexão.
ü
KIERKEGAARD - interpretará os paradoxos e aparentes
contradições do Cristianismo como estratégias divinas para desarmar a
ignorância humana.
ü
FREUD
e MARX – vêm na
religião não apenas só doença ou narcótico, mas algo rico e cheio de conteúdo
intelectualmente estimulante, embora as interpretações sejam divergentes.
Fora do mundo acadêmico,
os filósofos como GUÉNON COOMARASWAMY [perenalistas] avançam a
Tese de uma FILOSOFIA PERENE, presente em todas as tradições religiosas,
que incentivou obras relevantes para a FILOSOFIA DA RELIGIÃO.
ü
Em
meados do século XX, identifica-se duas tendências que levaram o filósofo
acadêmico a se ocupar da religião.
ü
Primeira: reanimação de algumas problemáticas
epistemológicas e até metafísicas que a Filosofia acadêmica havia tentado
aposentar, mas, sem êxito;
ü
Segunda: nova atenção proporcionada à riqueza e
diversidade do fenômeno religioso, provindo das ciências sociais e da religião
comparada.
A relevância desses
estudos chegou à tona graças aos estudos sobre filosofia Oriental. A íntima
relação entre Religião e Filosofia fez com que a FILOSOFIA DA
RELIGIÃO recebesse bastante atenção.
Além disso, ainda podemos citar:
ü
Interesse
crescente na Filosofia mundial (Sabedoria indígena, por exemplo);
ü
Interesse
na Fenomenologia da Religião através dos teólogos OTTO, VAN DER LEEUW, MAX
SCHELER e ELIADE.
ü
MAS,
o termo FILOSOFIA DA RELIGIAO fez sua estreia acadêmica com o filósofo
platônico Ralph Dudworth (século XVII) ganhando nomenclatura na última
década do século XVIII.
ü
Na
segunda metade do século XX despertou mais interesse de pesquisa e publicação,
pois, os filósofos começaram a abrigar-se nos departamentos de Filosofia.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
NO MUNDO ANGLO-SAXÃO
A corrente de FILOSOFIA
DA RELIGIÃO mais ativa no início do século XXI nasceu na linhagem de uma
escola histórica anti-metafísica e antirreligiosa: O POSITIVISMO LÓGICO.
ü
Não
que o conhecimento religioso metafísico fosse falso, mas carecia de sentido.
Como é que desse
contexto pouco promissor surgiu a manifestação mais vigorosa de FILOSOFIA DA
RELIGIÃO no mundo acadêmico?
ü
Foi
graças a WITTGENSTEIN. Sua obra Tratactus logico-philosophicus (1921)
é vista como uma declaração de independência do cientificismo para o CÍRCULO
DE VIENA e do POSITIVISMO LÓGICO.
ü
Ele
declarou assuntos metafísicos e religiosos além do alcance da linguagem
empiricamente verificável e de interesse zero para a filosofia, porém, anos
depois, rejeitou a teoria da linguagem do seu Tratactus e abraçou a
visão de “jogos de linguagem” como a maneira que vários sentidos fora da
ciência podem construir sentidos religiosos.
Outros estudiosos, a
partir de 1950 abriram portas para a “linguagem ordinária” e começaram a
estudar a linguagem religiosa, assuntos metafísicos, epistemológicos e moral
ligados à religião.
ü
A
Filosofia da Religião tem se dedicado a assuntos relevantes a saber:
ü
A
coerência da ideia de deus e provas para a sua existência;
ü
A
epistemologia da fé e a experiência religiosa;
ü
O
problema do mal.
Na discussão das demonstrações sobre a
existência de Deus:
ü
SWINBURN sugere que apesar da insuficiência das
provas ontológicas, cosmológicas, teológicas e morais, vistas em conjunto
constituem um elemento de alta probabilidade;
ü
Outra
prova é aquela apresentada pelos seguidores da “epistemologia reformada” de CALVINO,
que defenderam o caráter básico pré-argumentativo da crença em Deus, e, por
isso, nem precisa de provas para justificar;
ü
PLANTINGA
completa sua defesa da
racionalidade da crença em Deus atacando o naturalismo ontológico. Ele tira a
possibilidade de confiar que o aparato cognitivo humano torna possível teorias
verdadeiras e não meramente úteis para a sobrevivência.
Vários filósofos
analíticos da religião tem desmentido acusações de uma irracionalidade, mostrando
que quando uma crença não pode ser provada racionalmente, no entanto pode ser razoável
aceita-la.
ü
Geralmente
esses pensadores são tidos como CRIPTOAPOLGETAS do Cristianismo, por
terem se juntado a pensadores religiosos dos séculos XVII e XVIII [...]
Outra FILOSOFIA DA
RELIGIÃO vem de teólogos inspirados por WHITEHEAD que tentam
eliminar o escândalo do MAL pela negação da onipotência divina e a
insistência em um Deus imanente.
ü
Novos
modelos através da Biologia Evolucionista estão em discussão desde o inicio do
século, mas é muito cedo para avaliar o papel que terão a longo prazo.
FILOSOFIA CONTINENTAL
RELIGIÃO
ü
Embora
a fronteira entre a FILOSOFIA ANGLO-SAXÃO e a CONTINENTAL
não esteja bem definida (séc XXI), ela é claramente não analítica, ou
seja tem pouca afinidade com as ciências
naturais.
ü
Os
filósofos encontram-se menos em departamentos de Filosofia, como no mundo anglo-saxão,
e mais em departamentos de Teologia ou Ciência da Religião.
FILÓSOFOS COMO:
ü
SCHLEIERMACHER , KIERKEGAARD tentam resgatar a religião do campo
cognitivo;
ü
TROELTSCH e BULTMAN usam a categoria de
história [história da salvação] para forjar um pensamento coerente sobre a
religião;
ü
Gabriel MARCEL e M. BUBER, através do
existencialismo cristão revelam novos pontos de contato entre religião e
filosofia;
ü
O TOMISMO em todas as escolas [neoescolástica,
transcendental, fenomenológica e existencialista] continuam gerando
aprofundamentos filosóficos através do legado de AQUINO, com Kant,
Husserl Heidegger e Wittgenstein.
FILOSOFIA COMPARADA DA RELIGIÃO
ü
É uma área mais recente, mas que promete muito
crescimento. Ela migrou para as Ciencias Sociais, as humanidades e a História
chegando aos departamentos de Ciência da Religião.
ü
Grande
parte da terminologia religiosa carece de exegese filosófica só para que possam
articular suas convicções e explicar suas práticas.
ü
A
Filosofia na Religião afasta-se do contexto confessional e junta-se as outras
filosofias que servem em outras tradições para comparar conceitos lógicos, cosmológicos,
psicológicos, metafísicos, éticos e estéticos para construir uma FILOSOFIA
COMPARADA DA RELIGIÃO.
FILOSOFIA DA RELIGIÃO NO BRASIL
ü
Encontra-se
camuflada, entre Departamentos de Teologia, Ciência da Religião e Filosofia,
sendo temido como uma forma criptoteologia.
ü
Tem
despertado algum interesse por parte de missionários, de cientistas
sociais, especialmente das religiões minoritárias que, juntamente
com o Cristianismo criaram uma dinâmica que não pode deixar a religião fora da
ementa dos filósofos.
ü
Assim,
a influência do positivismo (séc. XIX - XX) e do marxismo na
década de 1960, acabaram dando lugar a programas de FILOSOFIA DA RELGIÃO no
final do século XX, em algumas pós-graduações do país, tendo sido criada a ABFR
que até 2017 organizou sete congressos nacionais.
CONCLUSÃO
O perfil da FILOSOFIA
DA RELIGIÃO pode ser esboçado através de dois tópicos:
Os
que dirigem sua reflexão ao objeto de crença e práxis religiosa:
Ø
Esses
abordam seu objeto apenas como aquilo que a razão humana pode determinar;
Ø
Podem
levar em consideração dimensões filosóficas das doutrinas além da razão que
abrem horizonte não racionais
Ø
Outros
debruçam sobre o sujeito da experiência religiosa:
Ø
Estes
podem estudar as condições de possibilidade cognitivas e psicológicas da
experiência religiosa e até mística.
Negando à religião a
possibilidade de uma reflexão filosófica abrangente é torná-la mais pobre,
pois, nenhum outro assunto é capaz de revigorar nos filósofos a dedicação
prestada por seus antepassados às GRANDES QUESTÕES.