A vida é agora um cardápio
variadíssimo com um conjunto infinito de opções. Seja um passatempo, lugares
para as férias, um estilo de vida, uma visão de mundo ou uma religião, há sempre
alguma coisa para as pessoas... Simplificando, alcançamos um estágio de
pluralização no qual a escolha não é só um estado de coisas, mas um estado de
espírito... A mudança torna-se a própria essência da vida.
[RAEPPER, William, 2001, p. 187]
Por: Arlindo Nascimento Rocha[1]
No
início do capítulo I do livro de Hans-Jurgen Greschat, O que é Ciência da Religião?,
traduzido pelo professor Frank Usarski e publicado no Brasil em 2005, encontramos
nas primeiras linhas um aviso para quem quiser aventurar-se na tentativa de definir
ou encontrar um definição clara, objetiva e universal para o termo ‘religião’.
Segundo Greschat (2005, p. 17), “a palavra ‘religião’ é como um labirinto.
Perder-se-á nele quem não trouxer um fio na mão para se orientar. Logo após a
entrada, encontramos ambiguidades. O uso da palavra religião é corriqueiro, mas
parece que somente especialistas conhecem o termo”. Para os especialistas
segundo Pondé (2016, p. 64), “as religiões são tentativas mais ou menos
organizadas de modo prático, e não apenas teórico, de dar sentido à vida”.
Na
tentativa de definir qualquer termo, inicialmente a preocupação é com a origem
do mesmo. No caso do termo ‘religião’, sua origem parece estar na pré-história,
como tudo o que é humano. Contudo, para esse termo tão antigo quanto o homem,
não é possível encontrar uma definição que satisfaça a todos, pois, segundo
Klauss Hock:
Um dos problemas na definição do termo
‘religião’ reside no fato de que o próprio termo nasceu num contexto cultural e
histórico muito específico – num primeiro momento, pertence à história
intelectual do ocidente. O mais tardar quando tentamos aplicar o termo
religião, como termo universal, a fenômenos em outros contextos históricos e
culturais, surge dificuldades inesperadas. (HOCK, 2010, p. 17).
Porém,
muitos especialistas, como o antropólogo Clifford Geertz (1926-2006), o filósofo e cientista das religiões, Mircea Eliade (1907-1986) e o sociólogo Max Weber (1864-1920),
concordam segundo Pondé (2010, p. 113), que as religiões são sistemas de
sentido que associam crenças em narrativas cósmicas (quem criou e como) a
práticas concretas cotidianas (ritos, rituais, liturgias, danças, celebrações,
jejuns, peregrinações a locais santos, etc.), com força normativa e moral (isto
é, dizem o que é certo e o que é errado e as consequências de agirmos certo ou
errado segundo a vontade desses seres divinos).
No
artigo Definindo religião, a despeito da história,
de Hanegraaff, traduzido para português por Fábio L. Stern (doutorando em
Ciência da Religião), fica claro que a maioria das tentativas de definir
religião foram feitos por estudiosos olhando para o registro histórico, por um
olhar teórico e sistematizador. Não fugiremos a essa regra, pois, nosso
objetivo é apresentar de forma sistematizada algumas definições do termo
“religião”, que foram apresentados por filósofos, sociólogos, antropólogos e
historiadores.
A
nossa primeira definição foi dada pelo filósofo italiano, Nicola Abbagnano
(1901-1990), descrita no seu Dicionário
de Filosofia (2007), onde ele faz um registro histórico apresentado por
vários pensadores. Porém, apresentaremos de forma sucinta como ele define o
conceito. Segundo ele, religião é:
Crença na garantia sobrenatural de
salvação, e técnicas destinadas a obter e conservar essa garantia. A garantia
religiosa é sobrenatural, no sentido
de situar-se além dos limites abarcados pelos poderes do homem, de gerir ou
poder agir onde tais poderes são impotentes e de ter um modo de ação misterioso
e imperscrutável. A origem sobrenatural da garantia não implica necessariamente
que ela seja oferecida por uma divindade e que, portanto, a relação com a
divindade seja necessária. [...] (ABBAGNANO, 2007, p. 997).
A
segunda definição chega até nós através do artigo de Hanegraaff, onde ele apresenta a definição dada pelo sociólogo e antropólogo Émile Durkheim
(1858-1917), que define o conceito de religião em termos de Igreja. Assim para
Durkheim:
Uma religião é um sistema unificado de
crenças e práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, as coisas separadas e
proibidas – crenças e práticas que unem em uma única comunidade moral, chamada
de Igreja, todos aqueles que aderirem a ela. (DURKHEIM, 1912, p. 65 apud HANEGRAAFF, 1999, p.6).
Uma
segunda definição do termo religião foi apresentada pelo antropólogo Clifford
Geertz (1926-2006). Ele é um dos mais originais e estimulantes antropólogos de
sua geração e o mais destacado proponente do movimento intelectual para
revigorar o estudo da cultura como sistema simbólico. Em sua obra A interpretação das culturas (2014), Geertz
afirma que a religião é:
(1) Um
sistema de símbolos que atua para (2) estabelece poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de
conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções como
tal aura de factualidade que (5) as disposições e motivações parecem singulares
e realistas. (GEERTZ, 2014, p. 67).
Outra
definição nos chega mais uma vez, através do artigo de Hanegraaff, já citado
anteriormente. Desta feita, ela apresenta a definição de John Milton Yinger
(1916-2011), que explica a natureza da religião diminuindo a perspectiva do
crente como irrelevante. Segundo Hanegraaff, Yinger apresenta a religião como
uma tentativa de negar a tragédia da condição humana. Assim, segundo ele:
A religião, então, pode ser definida
como um sistema de crenças e práticas por meio do qual um grupo de pessoas luta
com estes problemas fundamentais da vida humana. Expressam sua recusa de
capitular diante da morte, e desistem frente a frustração, de permitirem a
hostilidade ao que destroça suas associações humanas. A qualidade de ser
religioso, a partir do ponto de vista individual, implica em duas coisas: em
primeiro lugar, a crença de que o mal, a dor, a confusão e a injustiça são
fatos fundamentais da existência; e, por outo, um conjunto de práticas e
crenças santificadas correlatas, que exprimem a convicção de que o ser humano
pode finalmente ser salvo de tais fatos. (YINGER, 1970, p. 7 apud HANEGRAAFF, 1999, p. 11).
A penúltima
definição dos é apresentada Jean Platvoet, que segundo Hanegraaff, permite a
possibilidade de uma religião não personalista. Segundo Platvoet:
Religiões consistem em noções, atitude
e emoções, comportamentos e organização social no que diz respeito aos seres e/ou realidade [grifo do tradutor], cuja
existência e atividade não podem ser verificadas nem falsificadas [por meios
empíricos], mas que os fiéis acreditam existir e estar ativas em suas vidas
e/ou determinar seu destino futuro. (PLATVOET, 1990, p. 196 apud HANEGRAAFF, 1999, p. 12).
Uma
última definição é nos apresentada por Yves Lambert em soa obra O Nascimento Das Religiões - da Pré-história
Às Religiões Universalistas. Nessa obra seu objetivo foi explicar o
surgimento e a evolução das religiões desde os primórdios da humanidade até a
Idade Moderna. Segundo ele, quando os autores passam de uma definição de
religioso à de religião, em geral acrescentam dois outros critérios: a existência
de meios simbólicos de ação, em particular os ritos, e de formas de organização
social. A partir daí, ele acredita que se pode definir a religião como sendo:
Uma organização que supões, no
fundamento da realidade empírica, uma realidade supraempírica (Deuses, deuses,
espíritos, alma...) com a qual é possível comunicar por meios simbólicos
(preces, ritos, meditações etc.), de modo a procurar um domínio e uma realização
que ultrapassam os limites da realidade objetiva. (LAMBERT, 2011, p. 29).
Pelas
várias definições aqui apresentadas, depreende-se como afirma Hock (2010, pp.
29, 30), o termo religião permanece consistentemente aberto [...], pois, ela é
uma realidade social que ganha forma através de atos sociais. Pois bem, se a
sociedade é dinâmica e dialética, as definições seguem as mudanças e as
rupturas sociais, e a religião como um fato social não escapa dessas flutuações
sociais e conceituais.
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. - 5ª edição. –
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GEERTZ,
Clifford. A interpretação das Culturas. –
1ª edição. – [Reimp.]. – Rio de Janeiro: LTC, 2014.
GRESCHAT,
Hans-Jurgen. O que é Ciência da Religião?
Tradução: Frank Usarski. – São Paulo:
Paulinas, 2005. – (Coleção repensando a religião).
HANEGRAAFF,
Wouter J. Defining religion in spite
of History. In: PLATVOET, Jan G. (Org.): MOLENDIJK, Arie L. (Org.).The
pragmatics of defining religion: contexts, concepts and contests. Leiden: Brill,1999, p. 337-378
HOCK,
Klauss. Introdução à Ciência da Religião. Tradução:
Monika Otterman. Edições Loyola. - São Paulo, Brasil, 2010.
LAMBERT,
Yves. O Nascimento Das Religiões - da
Pré-história Às Religiões Universalistas. Tradução: Mariana Paolozzi Sérvulo
da Cunha. Edições Loyola. - São Paulo, Brasil, 2011.
PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor: ensaios de afeto. – São Paulo: Leya, 2010.
________.
Filosofia para corajosos. 1ª ed. – São
Paulo: Planeta, 2016.
[1] Doutorando e Mestre em Ciência da
Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso)
em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na
Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência
na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino
Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde. E-mail: arlindonascimentorocha@gmail.com.