Resumo: Esse pequeno esboço sobre a História das concepções ocidentais sobre a evolução religiosa da
Humanidade, tem como objetivo fazer um levantamento, ainda que sucinto,
sobre algumas teorias sociológicas e antropológicas que estudam a origem e a
evolução das religiões no mundo ocidental.
Breve história das concepções
ocidentais sobre a evolução religiosa da Humanidade
De acordo
com o consagrado pesquisador francês Yves Lambert[2], em sua obra O nascimento das religiões[3]
O estudo da evolução religiosa da humanidade desde suas origens conhecidas
despertou a atenção dos “pais fundadores” da sociologia das religiões, no
inicio do século XX: os franceses, Émile Durkheim (1858-1917), Marcel Mauss
(1872-1950), e os alemães, Georg Simel (1858-1918), e, sobretudo Max Weber
(1864-1920). Desde então esse estudo foi sendo gradualmente abandonado,
enquanto que o conhecimento das religiões ampliou-se bastante. A procura
crescente do conhecimento das várias religiões acontece pela necessidade do ser
humano estar constantemente colocando questões sobre sua existência. Ao
indagarmos sobre as perguntas que caracterizam a existência humana, logo
observamos que:
Um simples olhar atento na
história antiga nos mostra com clareza como, em diferentes partes da terra,
marcadas por culturas diferentes, brotam ao mesmo tempo as perguntas de fundo
que caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou? De onde eu venho e para onde eu vou? Por que o mal existe? O
que existe depois da vida? (Fides et Ratio 1).
Atualmente, o desejo de conhecimento das religiões e
dos fenômenos religiosos, não é uma curiosidade exclusivamente de religiosos e
estudantes das religiões, mas sim, da sociedade em geral. Ambos querem conhecer
as diferentes religiões, sua história e seu papel nas sociedades atuais. Isso
acontece, uma vez que, vivemos em sociedades cada vez mais plurais,
multiculturais e multireligiosos, onde o conhecimento da religião do outro
contribui em larga escala para o cultivo e a prática da tolerância religiosa.
Religiosos, leigos, estudantes, questionam sem
cessar a procura de respostas que apesar de vários estudos não se encontrou uma
resposta em definitivo. É comum em conversas/debates surgirem ainda essas
questões: Por que a religião? Por que as pessoas tem necessidade de crer? Como
podemos acreditar em tais coisas? Existe algo de comum entre as religiões? Para tentar responder estas questões
estudiosos de várias áreas tem produzido obras no sentido satisfazer as mentes
mais inquietas no que tange aos questionamentos de foro religioso. Em muitas
das obras procura-se descobrir, como no curso da história da humanidade, o
homem tem concebido o sentido da vida e do mundo, as normas e os valores, o bem
e o mal, o justo e o injusto, a felicidade e a infelicidade, o sofrimento e a
morte.
Entretanto, para que possamos entender melhor esses
questionamentos, é preciso mergulhar um pouco na história das concepções
ocidentais sobre a evolução religiosa da humanidade. Ao fazermos isso,
constamos que existem duas teses que se defrontam:
a) A da existência de um monoteísmo original que teria sido perdido e depois redescoberto por meio da revelação divina;
b) A de uma evolução progressiva desde as religiões primitivas até as religiões monoteístas.
De acordo com Maycon Assunção (2016, p. 23), “as religiões
monoteístas professam a crença em um Deus, único, transcendente, distinto e superior ao universo e
pessoal. As grandes religiões monoteístas são o judaísmo e o cristianismo, que
professam a existência de um só Deus, apesar de reconhecer como mistério três
pessoas dividas – e o islamismo”, enquanto que para Konings et all (1997, p. 90),“as religiões ditas
primitivas expressam a sacralidade de modo acrítica e pré-reflexiva [...] São
geralmente de alto teor mágico [...] entre as religiões primitivas, podemos
classificar, por exemplo, o animismo, (visão de mundo e que entidades
não-humanas,animais, plantas, objetos inanimados ou fenômenos possuem uma essência espiritual), o fetichismo (culto de objetos
que se supõe representarem entidades espirituais e possuírem poderes de magia),
o politeísmo (sistema ou crença religiosa
que admite mais de um deus), e o totemismo (conjunto de ideias e práticas baseadas na crença da existência de um
parentesco místico entre seres humanos e objetos naturais, como animais e
plantas) nas suas várias formas.”
A tese dominante no século XVIII, segundo Lambert, é
a primeira já mencionada acima. Essa tese é de origem cristã, e, segundo ela,
primeiro a humanidade teria sido monoteísta (existência de um Deus único), e
depois, devido a uma decadência original, teria dedicado ao culto de animais,
às forças naturais, aos ídolos e às múltiplas divindades antes que o
cristianismo fosse revelado. Entretanto, em 1757, o filósofo e historiador
escocês, David Hume (1711-1776), em sua obra História natural da religião[4],
substitui a teoria do monoteísmo original para o politeísmo original. Segundo
ele:
A doutrina de um Deus supremo e único autor
da natureza é muito antiga e propagou-se entre as nações importantes e
populosas, onde homens de todas as classes e de todas as posições sociais a
abraçaram. Mas aquele que pensar que seu êxito se deve à força predominante das
razões invencíveis, sobre as quais indubitavelmente funda mostra-se pouco
familiarizado com a ignorância e a estupidez das pessoas e seus incuráveis
preconceitos a favor de suas superstições particulares. (HUME, 2005, p. 59).
Segundo Nicola Abbagnano, “Hume já observava em História natural da religião, que a
passagem do politeísmo ao monoteísmo não deriva da reflexão filosófica, mas da
necessidade humana de adular a divindade para obter a benevolência, e que o
monoteísmo é acompanhado muitas vezes pela intolerância e pela perseguição,
visto que o reconhecimento de um único objeto de devoção leva a considerar
absurdo e ímpio o culto de outras divindades.” (ESSAI II, pp 335 ss apud ABAGNANO, 2007, p. 900).
Os iluministas adoraram a tese defendida por David
Hume, mas, a Igreja católica se opôs, mas, muitos cristãos partilham a ideia de
uma evolução em direção ao monoteísmo, com base na filosofia progressiva da
história que afirma que a humanidade teria passado da selvageria à barbárie e
depois a civilização; das religiões primitivas às religiões politeístas, e
depois monoteístas.
No século XX o pensador, escritor e político francês de origem suíça, Benjamin Constant (1767-1830),
propõe uma nova concepção, ao dividir a história da humanidade em três idades,
indo das formas mais precárias às mais elevadas:
a) Fetichismo – crença no poder sobrenatural ou mágico de certos objetos materiais;
b) Politeísmo – sistema ou crença religiosa que admite mais de um deus;
c) Teísmo - doutrina comum a religiões monoteístas que afirmam a existência de um único Deus, de caráter pessoal e transcendente, soberano do universo e em intercâmbio com a criatura humana.
Ainda no século XX o filósofo
francês, fundador da Sociologia e do Positivismo Auguste Comte (1798-1857),
também distingue três estados na história humana:
a) O estado teológico (ou quimérico) – o homem busca a causa dos fenômenos em potencias sobrenaturais;
b) O metafísico (ou abstrato) – o homem busca a causa dos fenômenos em noções abstratas (a ideia de natureza, os absolutos, as causas primeiras);
c) O científico (ou positivo) - o homem busca a causa dos fenômenos em noções em processos concretos. Nesse estado a ciência positiva tende a desprender-se da religião, ou, mais ainda, ao fato de que a própria humanidade torna-se sua religião.
O filósofo e
sociólogo Karl Marx (1818-1883) e revolucionário alemão Friedrich Engels
(1820-1895), que juntos fundaram socialismo científico ou marxismo, partilham grosso modo o mesmo esquema
evolucionista, ao defenderem que só haverá religião enquanto houver o
capitalismo, mas ao se libertar o comunismo tornará a religião inútil e se
instaurará uma sociedade de abundancia, sem classes.
Para o antropólogo
britânico, Edward Tylor (1832-1917), pensa que a primeira religião tenha sido o
animismo que evoluiu para o fetichismo, o naturalismo, o politeísmo e por fim o
monoteísmo. No início do século XX o antropólogo James Frazer (1854-1941),
resume as ideias de Tylor em um esquema de três estados ainda muitas vezes lembrado:
animismo, politeísmo e o monoteísmo.
Em fim, para
os teóricos que se interessam por buscar a origem da primeira forma de religião
da humanidade com o objetivo de descobrir os fundamentos últimos do sentido
religioso, não tem sido tarefa fácil, e, é quase impossível que haja uma única
teoria capaz de explicar cabalmente a origem da religião. É por isso que o
sociólogo e antropólogo francês, Marcel Mauss (1872-1950), libera a
antropologia do problema das origens da religião, mostrando que nos é impossível
conhecê-la.
Considerações finais
A
necessidade de explicar a origem das coisas, dos fenômenos, dos acontecimentos
sempre foi um desafio para o homem. Uma vez que, voltando às origens estaremos
em condições de entender os acontecimentos atuais e prever como poderão acontecer
as coisas no futuro. A religião como um fenômeno social complexo, sempre
intrigou estudiosos (sociólogos, antropólogos, historiadores) e sempre se
buscou explicar por razões diferentes as origens da religião. Atualmente a
Ciência da Religião é apontada como sendo o novo paradigma no que tange ao
estudo tanto comparado como sistemático das diversas religiões mundiais,
principalmente pelo seu rigor metodológico que o distancia das outras formas de
estudar as religiões.
Pelo que vimos os teóricos e estudiosos das
religiões sempre estiveram nessa busca, mas, como se vê, através desse pequeno
esboço, são apenas teorias explicativas que não resolveram a questão da origem
das religiões, da necessidade e da importância das mesmas nas nossas sociedades
atuais. Entretanto, essas teorias nos ajuda a refletir sobre esse assunto e a
buscar novos pontos de vista. Do ponto de vista teológico, esse problema não se
põe, uma vez que, tudo pode ser explicada através da revelação divina, e, nesse
caso a Bíblia é um documento por excelência para que possamos entender de onde
viemos, onde estamos e para onde vamos.
Para baixar o arquivo em pdf, clique no link a seguir:
<https://www.academia.edu/30678863/Hist%C3%B3ria_das_concep%C3%A7%C3%B5es_ocidentais_sobre_a_evolu%C3%A7%C3%A3o_religiosa_da_humanidade>
Para baixar o arquivo em pdf, clique no link a seguir:
<https://www.academia.edu/30678863/Hist%C3%B3ria_das_concep%C3%A7%C3%B5es_ocidentais_sobre_a_evolu%C3%A7%C3%A3o_religiosa_da_humanidade>
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
Filosofia. - 1ª edição brasileira
coordenada e revisada por Alfredo Bossi; revisão da tradução e tradução dos
novos textos Ivone Castilho Beneditti. - 5ª edição. – São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
ASSUNÇÃO Maycon. Religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo
e Islamismo. Murim-
Benevidas-PA: 2016.
HUME, David. História natural da religião. Tradução, apresentação e notas
de Jaimir Conte. – São Paulo: Editora UNESP, 2005.
KONINGS, Johan; ZILLES. Urbano. Religião e Cristianismo. 7ª edição. - Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1997.
LAMBERT, Yves. O
nascimento das religiões: da Pré-história às religiões universalistas. Tradução de Mariana Paolozzi
Sérvulo da Cunha. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2011
[1] Mestre em
Ciências da Religião – (PUC-SP) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Pós-Graduado em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional
– (UCP) Universidade Católica de Petrópolis; foi aluno extraordinário do curso
de Pós-Graduação em Filosofia da (PUC-Rio) Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro; Licenciado em Filosofia – (UNI-CV) - Universidade Pública de
Cabo Verde; Formado em Pedagogia (curso Inicial de formação de professores do
EBI) - Instituto Pedagógico do Mindelo.
[2] Yves Lambert nasceu em 1946 e
faleceu em 2006, após uma longa doença. Ingressou notavelmente no campo da
sociologia religiosa com a publicação, em 1985, de Dieu change en Bretagne. Pesquisador e depois diretor de pesquisas
do Groupe Société, Religions, Laïcités
(CNRS-EPHE), concebeu, desde o início dos anos de 1990, o projeto dessa
abrangente obra, à qual se dedicou até o fim de sua vida.
[3] O Nascimento
das Religiões – da pré-história às religiões universalistas é uma obra que remete à essência da história e das
preocupações religiosas da humanidade. Nela, Lambert, explica a evolução das
religiões na história da humanidade, desde os povos caçadores-coletores até a
idade moderna. Segundo o filósofo e historiador das religiões, Frédéric Lenoir,
“é preciso muita audácia, numa época em
que os pesquisadores da ciência das religiões – sociólogos, historiadores,
linguistas, etnólogos – trabalham como especialistas, para dedicar-se a matéria
tão vasta.” A obra é dividida em três partes, começando pela análise dos
povos caçadores-coletores e das religiões orais agrárias, que incluem o
Xamanismo, a Revolução Agropastoril e a adaptação do Xamanismo, a Religião
Dogon, a comparação entre os Xamanismos de caça e as religiões orais agrárias;
passa em seguida às religiões politeístas antigas e, na terceira parte, aborda
as religiões de salvação, que apontam a mudança axial universalista: o
Zoroastrismo, a primeira religião de uma salvação no além; a religião da Bíblia
do Antigo Israel e o Judaísmo, o Hinduísmo e o Budismo. [Disponível em < http://www.maxpress.com.br/Conteudo/1,443178,O_Nascimento_das_Religioes_-_da_pre-historia_as_religioes_universalistas_,443178,7.htm>. Acesso em 27/12/2013].
[4] No prefácio do livro História natural da religião Jaimir
Conte afirma que, “David Hume trata das origens e das causas que produzem o
fenômeno da religião, dos seus efeitos sobre a vida e a conduta humanas e das
variações cíclicas entre o politeísmo e o monoteísmo. Uma de suas preocupações
é também chamar a atenção para os efeitos das diferentes espécies de religião
sobre a tolerância e a moralidade. Hume desenvolve uma investigação sobre os
princípios 'naturais' que originam a crença religiosa, bem como um estudo
antropológico e histórico sobre os efeitos sociais da religião.” (HUME, 2005,
p. 8).